São Paulo, segunda-feira, 01 de março de 2010

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LENTE

Como criar arte a partir da guerra

De Sófocles a Bruce Springsteen, as guerras sempre foram fontes de inspiração para artistas.
Os conflitos no Iraque e Afeganistão não são exceção. Embora possa não existir um consenso em favor dos combates, e a consciência do sofrimento e do sacrifício seja limitada, a angústia da guerra no século 21 não deixa de ser profundamente expressa em filmes, canções e textos.
Como sugeriu A.O. Scott, do "New York Times", os heróis vira-casaca de alguns filmes recentes talvez reflitam, sob algumas camadas alegóricas, um clima de incerteza moral em relação à guerra. Em "Avatar", Jake Scully abandona suas próprias forças invasoras da Terra para lutar ao lado dos nativos de Pandora. "A ideia é que faça referência ao Iraque? Ao Vietnã? Ao aquecimento global?" Scott não chega a dar uma resposta conclusiva, mas observa que há protagonistas igualmente vira-casacas em "Distrito 9", "Daybreak" e "Legião". Nesses filmes, acrescenta, "nós [os EUA] somos os vilões".
Outros filmes recentes que tratam da guerra de modo mais direto evidenciam o estresse extremo dos combates, mas deixam margem a dúvidas quanto a suas mensagens. Como Scott observou em artigo separado no "New York Times", "Guerra ao Terror", "Restropo", "Entre Irmãos" e "O Mensageiro" "privilegiam a experiência imediata, mais que o debate ideológico". Os cineastas, acrescentou, "são tipicamente explícitos em negar que tenham qualquer agenda política".
Outras manifestações expressivas chegam dos próprios veteranos. Como relatou o "New York Times", algumas dessas manifestações são apolíticas, como alguns dos filmes recentes, enquanto outras são altamente críticas. Em seu livro "Love My Rifle More Than You", Kayla Williams, ex-sargento que fala árabe, escreve sobre a repulsa que sentiu ao ser pressionada a humilhar verbalmente um prisioneiro iraquiano nu.
Como vem ocorrendo desde o tempo de Sófocles, pode ser a necessidade de catarse que move escritores como ela. "Eu tinha muitos fantasmas com os quais lutava", disse Craig M. Mullaney, ex-integrante da tropa de elite Army Rangers e autor de "The Unforgiving Minute". "Pensei que, escrevendo, pudesse encontrar sentido nessa confusão de experiências, memórias, dúvidas e medos."
Muitos artistas já transmitiram posições ressentidas sobre a guerra sem jamais terem experimentado o combate em primeira mão. Entre eles está Springsteen, que recentemente contribuiu para a trilha sonora do documentário "Body of War", sobre um veterano do Iraque paralisado. Como os soldados-escritores de hoje, Sófocles inspirou-se em suas experiências militares próprias e infundiu vida a elas nos palcos da Grécia antiga. Suas peças de teatro lançam luz sobre o caráter atemporal do trauma mental e emocional pós-batalha.
Recentemente o Pentágono passou a financiar um grupo independente, o Theater of War (Teatro da Guerra), para encenar as peças "Ajax" e "Filoctetes", de Sófocles, para plateias de soldados.
"O próprio Sófocles foi um general, e, na época, Atenas passou décadas em guerra", disse ao "Times" o escritor e diretor Bryan Doerries, que fundou o Theater of War. "As duas peças foram vistas por milhares de cidadãos-soldados. Ao encená-las, esperamos que nossos soldados atuais enxerguem suas dificuldades em um contexto histórico mais amplo e, quem sabe, não se sintam tão sozinhos."


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