São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2010

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O "Oeste Selvagem" foi para o Iraque

REPORTAGEM ESPECIAL
Este artigo é um de vários que estão sendo publicados pelo "New York Times" com base em uma série de relatórios secretos sobre os campos de batalha do Iraque.Um arquivo completo do material está disponível em www.nytimes.com/warlogs

A falta de coordenação entre firmas de segurança particulares, forças da coalizão e tropas iraquianas é uma das revelações dos mais de 300 mil documentos secretos divulgados pelo WikiLeaks. Os relatórios projetam nova luz sobre a Guerra do Iraque, incluindo mortes de civis, abusos contra prisioneiros e participação do Irã

Moises Saman para o New York Times
Mercenários contratados para combater o Iraque foram acusados de abusos flagrantes, como o assassinato de civis

Por JAMES GLANZ e ANDREW W. LEHREN
O soldado particular, que não usa uniforme, mas luta e morre na batalha, reflete uma mudança crítica no modo como os Estados Unidos fazem a guerra. E documentos militares recém-divulgados revelam que as firmas de segurança privada supostamente cometeram tantos abusos, incluindo a morte de civis, que o governo afegão está trabalhando para expulsar totalmente os mercenários.
Nos primeiros dias da guerra do Iraque, com toda a sua anarquia de "Oeste Selvagem", os seguranças particulares eram necessários, porque simplesmente não havia soldados suficientes para fazer o serviço.
Não apenas os militares, mas jornalistas e socorristas também contavam com soldados particulares para proteção. Em 2004, a presença desses soldados tornou-se o símbolo da descida ao caos no Iraque, quando quatro deles foram mortos em Falluja e seus corpos, mutilados e carbonizados.
Ainda hoje, os militares não podem passar sem eles. Há mais soldados particulares do que membros das forças militares servindo na guerra do Afeganistão, que se agrava. E o uso de firmas de segurança deverá crescer lá, conforme as forças americanas forem reduzidas.
O arquivo divulgado pela WikiLeaks, contendo mais de 300 mil documentos secretos, descreve muitos episódios nunca divulgados com tal detalhe. E revela como o fracasso em coordenar os soldados particulares, as forças da coalizão e as tropas iraquianas, assim como a não aplicação das "regras de envolvimento" impostas aos militares, colocou em perigo os civis e também os seguranças particulares.
Esses mercenários atiraram com pouca discriminação contra civis iraquianos desarmados, forças policiais iraquianas, soldados americanos e até outros soldados particulares. Em um episódio registrado em março de 2005, irrompeu uma batalha envolvendo três firmas de segurança.
Fica claro pelos documentos que os soldados particulares pareciam ineficazes para impedir que eles mesmos e as pessoas que deveriam proteger fossem mortos. E, ao provocar a indignação pública, eles minaram grande parte do que as forças da coalizão foram enviadas para realizar.
A maior parte dos documentos se equipara ao já conhecido pelos poucos casos que foram divulgados, embora mesmo este conjunto provavelmente seja incompleto. Durante os seis anos cobertos pelos relatórios, pelo menos 175 agentes de segurança privados foram mortos. Insurgentes e outros malfeitores sequestraram pelo menos 70 deles, muitos dos quais foram mortos. A firma britânica Aegis perdeu mais de 30.
Os veículos das empreiteiras de segurança, facilmente identificáveis e surpreendentemente vulneráveis, eram ímãs para os insurgentes, as milícias e qualquer um que procurasse um alvo.
Em julho de 2007, segundo um relatório, dois seguranças morreram quando um caminhão operado pela firma britânica ArmorGroup voou por 49 metros depois que um enorme explosivo improvisado foi detonado sob ele no norte do Iraque.
A morte vinha de repente, de várias formas. Havia atentados suicidas, emboscadas no deserto, desastres de aviação e ferimentos autoinfligidos, como quando um guarda de Uganda que trabalhava para uma firma americana matou o supervisor sul-africano a tiros e depois se matou em 2008, após ter sido dispensado, segundo um relatório.
Os soldados particulares sofreram terríveis acidentes de tráfego, com diversas fatalidades. E soldados particulares eram constantemente alvo de tiros das forças de segurança iraquianas e da coalizão, que muitas vezes pareciam se enervar com veículos não identificados que se aproximavam em velocidade.
Mas, sejam quais forem os motivos, as firmas de segurança são citadas com frequência em tiroteios que os documentos classificam como injustificados. "Depois de um ataque com explosivos, uma testemunha relata que funcionários da Blackwater dispararam indiscriminadamente", diz um relatório de 22 de agosto de 2006, referindo-se à companhia hoje conhecida como Xe Services.
Muitas empresas aparentemente não sentiam qualquer necessidade de prestar contas. Os soldados particulares de uma empresa romena chamada Danubia Global mataram três iraquianos em Falluja em 2006, segundo outro relatório, e, então, se recusaram a responder a perguntas sobre o episódio, citando uma política da empresa.
Mais recentemente, em julho de 2009, seguranças locais com a 77ª Companhia de Segurança dirigiram por um bairro na cidade de Erbil, no norte do Iraque, e começaram a atirar aleatoriamente, iniciando um tiroteio com um policial fora de serviço e ferindo três mulheres, afirma outro relatório.
"Acredita-se que esse grupo de indivíduos embriagados estava se divertindo", concluiu o relatório sobre o incidente.
Em dezembro de 2004, no início da guerra, tiros foram disparados perto de policiais iraquianos na cidade portuária de Umm Qasr por uma firma de segurança privada americana chamada Custer Battles, segundo um relatório.
Enquanto o comboio da firma se afastava em velocidade, atirou no pneu do carro de um civil que se aproximou, depois disparou cinco tiros contra um miniônibus lotado. Os tiros só pararam depois que a polícia iraquiana, a segurança portuária e uma unidade militar britânica alcançaram o comboio.
De alguma forma, ninguém ficou ferido, e os soldados particulares encontraram uma maneira rápida de evitar a ação disciplinar: distribuíram dinheiro para os civis iraquianos e partiram.


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