São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2010

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A cruzada de um médico para recuperar o contato

Um ritual que transforma a ligação médico-paciente

Por DENISE GRADY
STANFORD, Califórnia - O doutor Abraham Verghese está em uma missão para trazer de volta o exame físico.
A apalpação, a observação e auscultação já foram quase consideradas técnicas mágicas do médico, que conseguia diagnosticar rapidamente um problema usando apenas o olhar aguçado, as mãos hábeis e o auxílio de um estetoscópio.
Presidente associado sênior de teoria e prática da medicina na Universidade Stanford, o doutor Verghese também é autor de duas memórias altamente aclamadas e de um romance categoria best-seller, "Cutting for Stone" ("cortando pedra" em uma tradução aproximada).
Arte e medicina podem parecer díspares, mas o doutor Verghese, 55, insiste que para ele são a mesma coisa.
Explica que as duas carreiras têm o mesmo princípio: "Curiosidade infinita sobre outras pessoas".
"As pessoas são mistérios sem fim", diz. Além da formação médica, ele tem um diploma de letras da Universidade de Iowa.
O exame físico parece estar sendo desperdiçado, diz Verghese, em tempos de inúmeros testes de laboratório e consultas extremamente rápidas ao médico.
Ele brinca que uma pessoa poderia mostrar que teve um dedo cortado, e os médicos insistirem em uma ressonância magnética, uma tomografia computadorizada e uma consulta ortopédica para confirmar.
O doutor Verghese treinou na Etiópia e na Índia, onde havia poucos equipamentos avançados. Ele ainda acredita que um exame minucioso pode produzir informações vitais e ajudar os médicos a decidir que testes solicitar e quais dispensar.
Um exame adequado também conquista confiança, disse, e serve como um ritual que transforma dois completos estranhos em médico e paciente.
Suas ideias repercutiram entre muitos médicos.
Com colegas, ele desenvolveu a Stanford 25, uma lista de técnicas que todo médico deveria saber, como auscultar o coração ou examinar os vasos sanguíneos no fundo do olho.
Fazendo rondas em hospitais, o doutor Verghese está em seu elemento.
Ele falou aos estudantes sobre uma condição incomum que produz fezes cor de prata.
Mandou residentes apalpar as próprias coxas enquanto lhes mostrava exatamente onde enfiar a agulha para tratar um caso de abscesso.
"Puxa, isto é ótimo", disse um deles. O doutor Verghese sorriu. "Estou aqui para surpreendê-los", disse.
Ele diz que, às vezes, se sente quase envergonhado por tanto interesse por seu trabalho, porque as técnicas são as mesmas que aprendeu décadas atrás.
Nascido na Etiópia, filho de pais professores indianos, as expectativas da família eram altas. "Você era um médico, um engenheiro, um advogado ou um fracasso", disse.
Verghese frequentou a escola de medicina em Adis-Abeba, mas, depois que começou a guerra civil na Etiópia em 1974, uniu-se aos pais, que tinham se mudado para os Estados Unidos.
Ele trabalhou no Tennessee durante os primeiros dias da epidemia de Aids.
Antes da Aids, disse, "eu devia ser um idiota arrogante, cheio de sabedoria. A Aids humilhou toda uma geração".
Certa vez um paciente perto da morte despertou quando o doutor Verghese chegou e abriu sua camisa para examiná-lo pela última vez.
"Foi como uma oferenda", diz o médico com lágrimas nos olhos. "Presidir sobre o leito de um homem agonizante em suas últimas horas. Eu o auscultei, percuti com os dedos, nem sei o que estava escutando.
Mas fazer isso diz: 'Eu nunca o deixarei. Não vou deixá-lo morrer com dor ou sozinho'. Não há um teste que você possa oferecer que substitua isso."


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