São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009

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ANÁLISE

Um cemitério de grandes impérios


TRANSIÇÃO EM WASHINGTON
Um atoleiro no Afeganistão?


Por HELENE COOPER

WASHINGTON - Desde que o ex-presidente dos EUA George W. Bush desviou sua atenção —e seus recursos— da guerra no Afeganistão para a guerra no Iraque, os planejadores militares e especialistas em política externa lamentaram a escassez de tropas para impedir que o país voltasse a ser controlado pelo Taleban. Militantes puderam aproveitar as enormes áreas de território, especialmente no sul, que as tropas da Otan (aliança militar ocidental) não conseguiam ocupar.
Chega Barack Obama. Na campanha presidencial, ele prometeu mandar mais duas brigadas —7.000 soldados— para o Afeganistão. Durante a transição, os planejadores militares falaram em acrescentar até 30 mil soldados. Dias após assumir o cargo, Obama anunciou a indicação de Richard Holbrooke, arquiteto dos acordos de paz dos Bálcãs, para executar uma nova política ao Afeganistão.
Mas enquanto os estrategistas militares de Obama preparam a primeira onda do “reforço” no Afeganistão, cresce o debate, inclusive entre os que aprovam o plano de mandar mais tropas, sobre se —ou como— os soldados poderão cumprir sua missão, e qual é exatamente essa missão.
Afinal, o Afeganistão repeliu pretensos conquistadores desde Alexandre, o Grande. É sempre a mesma história: os invasores —britânicos, soviéticos— controlam as cidades, mas não o interior. E, com o passar do tempo, os invasores não controlam mais as cidades e são expulsos.
Acham o Iraque difícil? Segundo o ex-secretário de Estado Colin Powell, o Afeganistão será “muito mais difícil”.
“O Iraque tem uma classe média”, disse Powell recentemente. “Era um país razoavelmente avançado antes de Saddam Hussein o arrasar.” O Afeganistão, por outro lado, “ainda é basicamente uma sociedade tribal, com muita corrupção; as drogas vão destruir esse país se algo não for feito”.
Para Obama, o Afeganistão é o sinal de que a crise de política externa deve ser enfrentada rapidamente. Cerca de 34 mil soldados americanos já estão combatendo uma insurgência que se fortalece mês a mês, formando uma situação de deterioração dinâmica em uma região de grandes consequências para os interesses de segurança americanos. Juntamente com o Paquistão, com o qual compartilha uma fronteira que se tornou um porto seguro para a Al Qaeda, o Afeganistão poderá rapidamente definir o governo Obama.
As tropas extras dos EUA lutarão principalmente contra a rebelião do Taleban alimentada pelo tráfico de ópio, estimado em US$ 300 milhões anuais. E essa insurgência está misturada a uma população de maioria rural que vive em aldeias espalhadas por cerca de 200 mil quilômetros quadrados no sul do Afeganistão.
Uma pergunta para Obama é se 30 mil soldados a mais são suficientes. “Acho que é mais um reforço psicológico do que prático”, disse Karin von Hippel, especialista em Afeganistão no Centro de Estudos Internacionais e Estratégicos. Ela disse que aprova o aumento de tropas, mas só como um precursor para fazer os europeus contribuírem mais e antes que a política americana mude, concentrando-se mais no interior que na capital.
“No Afeganistão, o número de soldados, se você juntar a Otan, as tropas americanas e afegãs, é de 200 mil, contra 600 mil no Iraque”, disse Von Hippel. “Esses números são tão baixos que 30 mil a mais não vão levá-los aonde é necessário. É mais uma medida de remendo.”
“Mas alguma coisa já é melhor que nada”, ela disse.
Essa última afirmação, entretanto, também está aberta a debate. Alguns especialistas em política externa afirmam que a decisão de Obama de enviar mais tropas para o Afeganistão é simplesmente uma extensão da política de Bush para a região, com a diferença de que Obama poderá colocar mais vidas americanas em risco para manter uma política fracassada.
Enquanto mais tropas dos EUA poderão ajudar a estabilizar o sul do Afeganistão, diz o argumento, elas não conseguirão reverter a situação do país, a menos que haja grandes mudanças na política geral. O presidente afegão, Hamid Karzai, aliado do governo Bush, começou a perder o brilho; autoridades americanas e europeias hoje manifestam frustração sobre sua recusa a prender os barões da droga que dirigem o comércio de ópio.
Karzai também foi muito criticado por não atacar suficientemente a corrupção. E diplomatas dizem que sua aversão a se aventurar muito longe de seu palácio fortificado em Cabul reforça a divisão entre o governo central do Afeganistão e sua população majoritariamente rural, dando ao Taleban rédeas soltas no interior.
Antes de enviar mais tropas, afirma Andrew Bacevich, professor de relações internacionais na Universidade de Boston, Obama deveria decidir se vai modificar a política americana subjacente que deixou de pressionar Karzai.
“Parece que, frente à pressa em mandar reforços, [Obama] se esquece de fazer uma análise cuidadosa muito necessária”, disse Bacevich, autor de “The Limits of Power: The End of American Exceptionalism” [Os limites do poder: o fim da excepcionalidade americana].
“Existe claramente um consenso de que as coisas estão indo na direção errada”, disse Bacevich. “O que não está claro é por que enviar mais 30 mil soldados é o passo essencial para mudar isso. Minha compreensão do objetivo maior da empreitada aliada no Afeganistão é trazer à existência algo que pareça um estado afegão coeso moderno. Bem, talvez seja um objetivo irreal. Talvez enviar mais 30 mil soldados seja jogar dinheiro e vidas em uma ratoeira.”


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