São Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 2010

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Sírios reacendem ardor pela Turquia

Por DAN BILEFSKY

GAZIANTEP, Turquia ­- Sírios endinheirados já vinham frequentando Gaziantep, antiga cidade industrial turca, atraídos pelas bolsas Luis Vuitton e pelos letreiros em árabe na frente das lojas. Mas comerciantes locais dizem que foi a letal ação de Israel contra embarcações majoritariamente turcas na costa de Gaza, em maio, que solidificou a amizade entre Síria e Turquia, o novo herói do mundo islâmico.
"As pessoas na Síria amam a Turquia porque o país apoia o mundo árabe, são camaradas muçulmanos", disse Zakria Shavek, 37, motorista de uma transportadora síria com sede em Gaziantep, enquanto atendia uma família de consumidores de Aleppo, cidade síria a duas horas de carro dali.
"Nosso inimigo no mundo é Israel, então também gostamos da Turquia, porque o inimigo do nosso inimigo é nosso amigo."
As peregrinações mensais de dezenas de milhares de sírios a essa cidade do sudeste turco -que se intensificaram desde que os dois países suspenderam a exigência de visto, em setembro- são apenas mais uma manifestação dos esforços do governo turco para, usando vínculos econômicos e culturais com seus vizinhos, se projetar como um líder regional.
A guinada turca para o mundo islâmico -o que inclui a recente desavença com Israel e as declarações do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan qualificando de pacífico o programa nuclear do Irã- provoca nos Estados Unidos e na Europa temores de que a Turquia, um importante membro da Otan (aliança militar ocidental), esteja dando as costas ao Ocidente.
Mas na Turquia, onde 70% das exportações se destinam à Europa, empresários insistem em que a política do governo de cultivar amizades com todos os vizinhos reflete o impulso -sagaz e muito ocidental- de contrabalançar a dependência em relação aos estagnados mercados europeus, além de consolidar a posição do país como uma ponte político-econômica entre Ocidente e Oriente.
Aliás, a maioria dos países árabes, inclusive a Síria, apoia entusiasticamente a eventual adesão turca à União Europeia, por considerar a Turquia um intermediário vital para os mercados ocidentais, de outro modo talvez inacessíveis.
Em nível político, a influência da Turquia no Oriente Médio também é muito fortalecida por suas relações ocidentais -algo reconhecido pelo ditador sírio, Bashar al Assad, que chocou muita gente em julho na capital turca ao advertir que a nova crise entre Israel e Turquia poderia abalar o papel de Ancara como mediador na região.
Há apenas dez anos, as relações bilaterais estavam abaladas. A Turquia acusava a Síria de abrigar separatistas curdos, e a Síria recriminava a Turquia devido a disputas envolvendo água e territórios.
"Hoje, os países árabes outrora ressentidos conosco querem ser como nós, mesmo que eles estejam olhando para os turcos mais do que nós para eles", afirmou o turco Emin Berk, coordenador do Escritório Comercial Turquia-Síria em Gaziantep.
O comércio entre os dois países saltou de US$ 795 milhões em 2006 para US$ 1,6 bilhão em 2009. Em Gaziantep -cujo passado é tão interligado à Síria que chegou a ser parte da Província síria de Aleppo durante o Império Otomano- os sinais da nova lua de mel entre Turquia e Síria estão em toda as partes.
Toda sexta-feira, milhares de sírios ocupam o centro da cidade. Atraídos por bons preços e pelas marcas ocidentais, a maioria se dirige imediatamente ao shopping center Sanko Park. Cursos de árabe para empresários turcos estão surgindo. Casamentos entre pessoas dos dois países vêm se tornando mais comuns.
Na Síria, a mistura turca entre islamismo e democracia cosmopolita é cada vez mais vista como um modelo para a nova geração. Num dia recente no Sanko Park, Mays al Hindawi Bayrak, uma sofisticada síria de 27 anos que comprava uma camisa Pierre Cardin para seu marido turco, observou que, para os sírios, a Turquia se tornou sinônimo de modernidade europeia.
Depois das recentes críticas da Turquia a Israel, contou ela, seu irmão de 21 anos disse à família que gostaria de solicitar cidadania turca.
Empresários turcos em Gaziantep dizem que a nova abertura do seu país ao Oriente está melhorando seus resultados financeiros.
Cengiz Akinal, diretor-gerente da Akinal Bella, uma grande indústria calçadista, disse que a política de inspiração islâmica do governista Partido Justiça e Desenvolvimento contribui para as boas relações com os clientes árabes. A empresa aumentou em 40% suas exportações para a Síria no ano passado.
Akinal recentemente transferiu parte da produção da fábrica para Aleppo e Damasco, onde os salários são cerca de metade dos da Turquia. Mas ele disse que a Síria ainda está décadas atrás da Turquia no que diz respeito a padrões de qualidade e capacitação técnica. "A Turquia pode estar 15 anos atrás da Europa, mas a Síria ainda está 30 anos atrás da Turquia."


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