São Paulo, segunda-feira, 02 de agosto de 2010

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NEGÓCIOS ECOLÓGICOS

Austrália combate gases bovinos do efeito estufa

Por NORIMITSU ONISHI

GATTON, Austrália - A julgar pelo que diz Athol Klieve, a chave para a redução das enormes emissões australianas de gases do efeito estufa é tornar a vaca mais parecida com o canguru, o animal-símbolo do país.
Ambos os animais são herbívoros e fermentam o alimento antes de passá-lo ao estômago principal. Mas, enquanto o gado expele enormes quantidades de metano para digerir a comida, os cangurus arrotam ácidos inofensivos, que podem ser transformados em vinagre.
Klieve, um especialista em estômagos bovinos, tem mexido na dieta dos ruminantes para que eles arrotem menos. Mas se anima ao falar em comandar uma equipe de pesquisadores para fazer o intestino do gado funcionar como o dos cangurus.
"Aditivos na ração podem levar a reduções no metano", disse Klieve. "Mas estamos tentando outras coisas que poderiam nos permitir um salto quântico e, por isso, estamos observando os cangurus."
A Austrália emite mais gases do efeito estufa per capita do que praticamente qualquer outro país, graças às suas usinas termoelétricas a carvão. Mas mais de 10% desses gases vêm daquilo que burocratas chamam de emissões pela criação animal.
A qualquer momento, após mastigarem e regurgitarem sua comida, dezenas de milhões de vacas australianas, e também ovelhas, estão arrotando metano incessantemente.
Como o metano é considerado 21 vezes mais potente do que o dióxido de carbono no processo de aquecimento da atmosfera, esses arrotos dão munição para ambientalistas, vegetarianos e outros críticos da carne. Agora, a indústria da carne está reagindo. Junto com o governo, ela está financiando uma campanha de US$ 24 milhões para reduzir as emissões animais de gases.
Os pesquisadores examinam medidas como ajustar as rações, melhorar a gestão do estrume, recalibrar os organismos estomacais e selecionar geneticamente animais que arrotam menos. Esses cientistas estudam os estômagos de ruminantes como vacas, ovelhas e cervos.
Num país onde a crescente conscientização ambiental pode afetar a venda de carne, a entidade Carne e Criação Austrália está convidando ambientalistas importantes para seminários intitulados "Carne vermelha pode ser verde?".
Na parte anterior do sistema digestivo de uma vaca, que pode conter mais de 90 kg de pasto a qualquer momento, a fermentação do alimento leva à liberação de hidrogênio. Micróbios chamados metanogênicos ajudam a eliminar o excesso de hidrogênio, produzindo metano.
Em outros animais que apresentam fermentação na parte posterior do sistema digestivo -ou seja, depois da passagem pelo estômago-, o metano às vezes é liberado por meio de flatulência, algo que, segundo Klieve, tem gerado confusões sobre o seu trabalho.
Como o gado, os cangurus fazem a fermentação na parte anterior do trato digestivo. Mas, em vez de usarem micróbios metanogênicos para se livrar do hidrogênio indesejado, os cangurus usam micróbios diferentes, que reduzem o hidrogênio não pela produção de metano, e sim de ácido acético, a base do vinagre. Seria possível transplantar esses micróbios para as vacas? Seria possível criar nos estômagos bovinos um ambiente em que os micróbios bons substituiriam os metanogênicos?
"Se pudermos responder essas perguntas, estaremos avançando para conseguir que esses animais não fiquem produzindo metano", disse Klieve.
Nem todo o mundo apoia a pesquisa. "Isso soa surpreendente para mim, que este seja o foco primário, quando já há um animal que faz isso", disse George Wilson, diretor da Australian Wildlife Services, empresa de gestão da vida selvagem, que faz campanha pelo maior consumo de carne de canguru na Austrália.
A proposta foi favoravelmente citada num relatório governamental de 2008 sobre a mudança climática, que apontava que por 60 mil anos os cangurus foram a principal fonte de carne para os aborígenes australianos.
Mas Beverley Henry, encarregada de questões climáticas da Carne e Criação Austrália, disse que a ideia é inviável. "Você precisa de algo como dez cangurus para produzir a mesma quantidade de carne de um bezerro. Não dá para pastoreá-los ou cercá-los."


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