São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2008

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ARTE & ESTILO

Motivos com sabor moderno de Brasil

Por CAROL KINO

Parada no fundo da galeria James Cohan, em Manhattan, a artista brasileira Beatriz Milhazes discutia suas quatro últimas pinturas, que estavam encostadas às paredes.
"Esta aqui se baseia em quadrados, tipo uma grade", disse ela apontando para "Mulatinho", cujos blocos cromáticos são quebrados por pontos, tiras, flores estilizadas e um pedaço de fruta cuidadosamente pintado.
Embora Milhazes se considere claramente uma abstracionista geométrica, essas não costumam ser as primeiras palavras que ocorrem a quem vê sua obra, objeto de uma exposição individual na galeria nova-iorquina.
Os quadrados costumam vir enfeitados com linhas e pontos; círculos freqüentemente se transformam em chamativos alvos, e tudo está envolto em motivos que evocam a cultura multicamadas da sua cidade, o Rio de Janeiro. Há arabescos, rosas e padrões de bordados, emprestados do barroco brasileiro, e também flores e plantas inspiradas no Jardim Botânico carioca, vizinho ao ateliê dela.
Mesmo assim, Milhazes, 48, insiste que suas composições são essencialmente geométricas. "Às vezes, coloco um quadrado por trás", diz ela, referindo-se à camada inicial da tela, "e acrescento coisas por cima". "Os quadrados podem desaparecer, mas ainda são uma referência para que eu pense na composição. E sempre fui muito leal às minhas idéias."
Hoje, a carreira dela parece tão transbordante quanto suas telas. Além da exposição na James Cohan, sua primeira grande retrospectiva está em cartaz na Pinacoteca do Estado, em São Paulo. Até o começo de novembro, no intervalo de um mês, três projetos de tiragem limitada - uma tapeçaria, um design têxtil e um livro da artista - terão sido lançados. Ela também acaba de concluir uma instalação específica para uma exposição no Museu de Arte Contemporânea de Tóquio.
Milhazes freqüentemente expõe na Europa, especialmente em Londres, na América Latina, na Ásia e em Nova York.
Criada sob o regime militar, ela não teve acesso ao mundo artístico tradicional. Embora houvesse uma arte de vanguarda no Brasil desde a década de 1930, as oportunidades para jovens artistas cariocas eram limitadas no começo da década de 1980, uma época em que os colecionadores latino-americanos em geral se dedicavam a obras do passado.
Para uma jovem pintora sedenta por ver a obra de mestres do século 20, como Mondrian e Matisse, a situação era especialmente árida. "Há 25 anos, se você não viajasse, jamais veria pinturas", disse ela.
E hoje em dia, lembrou Milhazes, a pintura ainda é bastante marginal no cenário artístico brasileiro.
"Temos uma arte contemporânea forte, mas mais no conceitualismo e na instalação", disse ela. "Então estou bastante isolada aqui."
Mas o isolamento a ajudou a desenvolver um processo de trabalho bastante inusitado, pois ela sente que não tem, conforme explicou, "a história nas costas".
Ela começa pintando com acrílico sobre folhas de plástico, trabalhando motivo a motivo, criando cada imagem em negativo, como se fosse fazer uma gravura.
Quando o motivo está seco, ela cola o lado pintado à tela, quase como um decalque, e então "descasca" o plástico para revelar uma superfície que parece feita à mão, mas praticamente sem a marca das pinceladas. Então ela continua acrescentando camadas, como se estivesse fazendo uma colagem. Quando desenvolveu esse método, na década de 1980, "ele abriu uma enorme porta para mim", disse ela.
Apesar do jeito brasileiro do seu trabalho, não há nada parecido na arte brasileira, passada ou presente, disse o curador Adriano Pedrosa, de São Paulo, que conhece Milhazes há anos. "Ela parece ter uma relação bastante estreita com a história da arte brasileira, mas isso é porque está se apropriando das coisas", afirmou ele. O curador também relaciona a obra da artista ao Movimento Antropofágico das décadas de 1920 e 30, por ser "um conceito onde o artista nativo brasileiro se apropria de elementos estrangeiros e os digere para produzir algo pessoal e único".

ONLINE: VÍDEO
A artista brasileira Beatriz Milhazes fala do seu trabalho: nytimes.com/design



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