São Paulo, segunda-feira, 04 de maio de 2009

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A dolorosa volta para casa

Êxodo se inverte e revira a vida de muitos migrantes

Ángel Franco/The New York Times
Imigrante ilegal do Equador que talvez tenha que abandonar sua vida em Nova York


Graças à crise, "Dublinski" volta a ser Dublin


Por RACHEL DONADIO, HIROKO TABUCHI e NELSON D. SCHWARTZ

Seis anos depois de ser atraído pelo boom da construção civil espanhola, Constantin Marius Mituletu decidiu voltar para a sua Romênia natal, como mais uma vítima de um declínio econômico que está revertendo a maré humana responsável pela transformação da Europa e da Ásia na última década.
"Todo mundo diz que na Romênia não há trabalho", disse Mituletu, 30, com um ar de bravata, ajeitando os óculos. "Se há 26 milhões de pessoas lá, elas têm de fazer alguma coisa. Quero ver com meus próprios olhos."
Mituletu é um entre milhões de migrantes de Leste Europeu, América Latina e África que na última década afluíram a lugares de alto crescimento, como Espanha, Irlanda, Reino Unido e Japão, atraídos pelo desemprego baixo e pelas políticas imigratórias liberais.
Mas, num claro sinal da rápida deterioração das economias da Europa e da Ásia, trabalhadores como Mituletu agora estão voltando para casa, na esperança de encontrarem por lá melhores perspectivas de emprego, ou pelo menos um custo de vida mais baixo. Alguns partem por conta própria, enquanto outros recebem dinheiro para deixar os países onde estão. Na década de 1990, o Japão estimulou latino-americanos a irem ajudar a reduzir sua escassez de mão de obra, mas agora tem pago até US$ 3.000 para esses trabalhadores deixarem o país.
Na Europa Ocidental, a tendência migratória tem sido pronunciada. Veja o caso da capital da Irlanda, apelidada de "Dublinski" devido ao afluxo de quase 180 mil trabalhadores de Polônia, República Tcheca e outros lugares do Leste Europeu desde a ampliação da União Europeia em 2004. Agora, um forte crescimento do desemprego, atualmente em 11%, faz até os recém-chegados repensarem seus planos.
"Desde 2000, há um ressurgimento da migração intraeuropeia", disse Rainer Münz, estudioso da migração e diretor de pesquisa e desenvolvimento do Erste Bank, de Viena. "Em certa medida, isso está claramente se desfazendo agora."
Entre abril de 2008 e o final de abril de 2009, 50 mil trabalhadores devem ter deixado a Irlanda de volta aos seus países, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais de Dublin. "As coisas mudaram rapidamente", disse a tcheca Monica Jelinkova, 25, há 18 meses em Dublin. "Eu conhecia 15 pessoas aqui. Agora só restam quatro amigos."
Embora o desemprego também esteja crescendo na República Tcheca, "é muito mais fácil estar em casa com a família e os amigos e não ter emprego do que estar aqui e [também] não ter emprego", disse ela.
O governo tcheco, por sua vez, anunciou em fevereiro que pagará € 500 (cerca de R$ 1.400) e dará passagem aérea para cada estrangeiro que tenha perdido o emprego e queira voltar ao seu país.
Em Bucareste, trabalhadores da China estão há dois meses acampados sob frio intenso diante da embaixada chinesa, depois que seus empregos na construção desapareceram. A Espanha também está oferecendo incentivos para quem for embora. Um novo programa voltado para imigrantes legais da América do Sul permite que eles recebam de uma só vez o seguro-desemprego caso aceitem partir e não voltem por pelo menos três anos. O governo espanhol diz que apenas cerca de 3.000 imigrantes aproveitaram o plano, mas que muitos outros estão indo embora por conta própria.
Empresas aéreas da Espanha fazem promoções de passagens só de ida para a América Latina e dizem que a demanda cresceu significativamente. Todos os dias, o aeroporto de Madri é palco de cenas comoventes de pessoas que se despedem de parentes desempregados.
O Japão, que atravessa uma recessão, lançou um programa similar, porém mais rígido, voltado a centenas de milhares de imigrantes latino-americanos. Até agora, ao menos cem trabalhadores e suas famílias aceitaram partir, segundo autoridades japonesas. Mas críticos dizem que o programa japonês é míope, desumano e ameaça o pouco progresso que o Japão obteve na abertura da sua economia a trabalhadores estrangeiros.
"É uma desgraça, é cruel", disse Hidenori Sakanaka, diretor do Instituto de Política Imigratória do Japão, entidade de pesquisas independente. "O Japão está dando um tiro no pé. Podemos estar em recessão agora, mas está claro que [o país] não tem futuro sem trabalhadores do exterior." O programa se limita a trabalhadores latino-americanos, cujos pais e avós emigraram nos últimos cem anos para trabalhar nos cafezais do Brasil e países vizinhos.
Até muito recentemente, países como Espanha, Irlanda e Itália eram nações de emigrantes, não de imigrantes. Isso mudou em uma década de expansão que começou no final dos anos 1990.
Na Espanha, onde o crescimento foi mais explosivo, a população estrangeira subiu de 750 mil em 1999 para 5,2 milhões no ano passado, em um total de 45 milhões, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas. A população irlandesa, hoje de 4,1 milhões, também se transformou, pois o percentual de residentes estrangeiros passou de 7% em 2002 para 11% em 2006.
"Nos EUA, foram necessárias várias gerações para se formar uma população estrangeira desse tamanho", disse Demetrios Papademetriou, diretor do Instituto de Política Migratória, de Washington. "Esses países fizeram isso num ritmo sem precedentes, mas a sociedade e as instituições nem começaram a ter uma chance de acompanhar."
O êxodo reverso dos países mais prósperos da Europa Ocidental deve agravar as pressões que já se acumulam na Europa Central e Oriental, onde migrantes dos países em desenvolvimento estão sendo encorajados a partir.
Em 1990, o contrário ocorria no Japão. Diante de uma escassez de mão de obra industrial, o país emitiu milhares de vistos especiais de trabalho para descendentes de emigrantes na América Latina. Estima-se que 366 mil brasileiros e peruanos atualmente vivam no Japão.
Os dekasseguis rapidamente se tornaram o maior grupo de trabalhadores estrangeiros nesse país em geral avesso à imigração, preenchendo os empregos "triplo K" ("kitsui, kitanai, kiken", duros, sujos e perigosos).
Mas a demanda por produtos japoneses evaporou, e o setor industrial despencou, levando o desemprego a 4,4%, maior índice em três anos. As exportações japonesas caíram 45,6% em março em comparação a um ano antes, e a produção industrial atingiu seu menor nível em 25 anos.
"Não haverá boas oportunidades de emprego por um tempo, por isso estamos sugerindo que os nikkeis brasileiros vão embora", disse o parlamentar e ex-ministro da Saúde Jiro Kawasaki, do governista Partido Liberal Democrático. Vistos nikkeis são vistos especiais concedidos para os descendentes de japoneses e seus cônjuges.
Pelo programa emergencial adotado em abril, os dekasseguis que aceitarem partir podem receber US$ 3.000 em passagem aérea, mais US$ 2.000 por dependente. Quem aceita está sendo avisado que poderá ficar com o dinheiro que eventualmente sobrar.
Mas os beneficiários não poderão tornar a solicitar o visto especial de trabalho para descendentes de japoneses. Sem esse status, será quase impossível para a maioria voltar. A Espanha, com um desemprego de 15,5%, permite que os imigrantes voltem a solicitar vistos de residência e trabalho após três anos. E pessoas como o romeno Mituletu podem regressar a cada três meses para solicitar seus benefícios espanhóis do desemprego.
Para Kawasaki, a crise é uma boa oportunidade para reformular a política imigratória japonesa como um todo. "Deveríamos parar de permitir a entrada de trabalhadores não qualificados no Japão", disse ele. "Deveríamos garantir que mesmo os empregos 'triplo K' sejam bem pagos, e que sejam preenchidos por japoneses. Não acho que o Japão deva se tornar uma sociedade multiétnica."
A brasileira Rita Yamaoka e seu marido, Sérgio, que se estabeleceram no Japão há três anos, no auge do surto exportador, ainda não decidiram seu futuro. Ambos perderam os empregos em montadoras. "Eu sinto um imenso estresse, tenho chorado com frequência", disse Rita, 38, após uma reunião em que autoridades locais detalharam a oferta, na cidade industrial de Hamamatsu, centro do Japão.
"Eu digo ao meu marido que deveríamos pegar o dinheiro e voltar", disse ela, com olhos marejados. "Não temos como ficar aqui por muito mais tempo." Outros já se convenceram a voltar. "Eles nos toleraram enquanto precisavam da mão de obra", disse Wellington Shibuya, que chegou há seis anos e em outubro perdeu seu emprego em uma fábrica de fogões. "Mas, agora que a economia está ruim, eles nos atiram um pouco de dinheiro e nos dizem tchau."


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