São Paulo, segunda-feira, 04 de maio de 2009

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INTELIGÊNCIA/YOANI SÁNCHEZ

A partida se complicou para os irmãos Castro

Uma ilha no Caribe, onde o controle é exercido há 50 anos por algo que alguns chamam de revolução e outros descrevem como ditadura, foi convertida em tabuleiro de xadrez. Os peões a contragosto são pessoas cubanas como Miguel, Yudeixis ou eu mesma, espectadoras nesta partida que se desenrola entre os governos dos EUA e de Cuba. Várias gerações de cubanos chegaram à maioridade durante este período prolongado de impasse.
Alguma coisa nessa disputa entediante começou a mudar nas últimas semanas. O novo ocupante da Casa Branca aliviou as restrições às visitas de cubano-americanos à ilha -questão delicada para um país onde cada um tem um parente do outro lado do mar. Ele também removeu as restrições vigentes às remessas, indispensáveis para sustentar tantas famílias.
Barack Obama também anunciou que agora empresas de TV por satélite estão autorizadas a nos fornecer seus serviços, embora seus sinais -acessados clandestinamente com antenas- já sejam há muito tempo uma alternativa à programação nacional, que carrega na ideologia.
Embora o embargo continue em vigor, nós, cubanos, compreendemos claramente quais restrições vêm de nosso próprio governo e quais são impostas desde fora. As limitações à entrada e saída do país, o confisco dos bens dos emigrados, a moeda dupla com a qual convivemos há 15 anos e a impossibilidade de comprar carros ou casas vêm de nosso próprio governo. Além disso, temos medo de expressar nossas opiniões políticas abertamente, fundar um partido político ou ler jornais com opiniões diferentes das expressas pelo órgão estatal oficial, o "Granma".
A nova atitude do governo dos EUA não vai imediatamente encurtar as filas nos consulados de pessoas que buscam realizar seus sonhos fora de Cuba. Mas ela pode ajudar meu vizinho do andar de baixo a pintar seu apartamento, o taxista a comprar -com dinheiro enviado por seu irmão- o motor de que precisa para consertar seu Chevrolet velho e a manicure a receber, em um pacote postado na Flórida, as unhas postiças pedidas por suas clientes.
Tudo isso vai ajudar a empoderar os cidadãos cubanos, tornando-os mais independentes do governo, menos manobráveis pela mão oficial que os desloca pelo tabuleiro como se fossem peças de xadrez.
Muitas mães com filhos no exílio rezam para que esse abrandamento das restrições continue, e os idosos mais renitentes pensam que este é um momento propício para iniciar um diálogo. O governo cubano não esperava a audaciosa proposta de um "novo começo" nas relações bilaterais apresentada por Obama na Cúpula das Américas. A resposta até agora vem sendo cautelosa, pelo menos do lado da mesa de xadrez que nós conseguimos observar.
Não obstante, muitos de nós temos a impressão de que Raúl Castro não poderá esperar demais para movimentar suas peças; ele pode procurar prolongar o conflito ou fazer um gesto que confirme um diálogo. Ele está preso no dilema enxadrístico conhecido como zugzwang, no qual um adversário perde porque é forçado a fazer um movimento fatal, num momento em que preferiria não fazer movimento algum.

Yoani Sánchez vive em Havana e tem um blog no endereço www.desdecuba.generaciony



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