São Paulo, segunda-feira, 05 de outubro de 2009

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Ensaio

Michael Kimmelman

Busca por Chopin leva ao passado polonês


Varsóvia tem poucos resquícios de seu artista mais famoso


VARSÓVIA - Quando, recentemente, Barack Obama anunciou que estava cancelando os planos de instalar escudos antimísseis na Polônia, os poloneses insatisfeitos, que queriam os interceptores em parte porque os russos não os queriam, tomaram nota da data do anúncio: 17 de setembro. Era o 70? aniversário da invasão soviética da Polônia.
Como escreveu Roger Cohen no "International Herald Tribune", "foi mais ou menos o equivalente, para os poloneses, a eles anunciarem concessões a um inimigo dos EUA no dia 11 de setembro".
É quase impossível deixar de topar com alguns fantasmas do passado em Varsóvia, mesmo que você não passe de um turista cultural. Outro dia, eu saí à procura do que ainda resta da trilha de Chopin. No próximo ano será comemorado o bicentenário do nascimento do compositor. Estão programados concertos, congressos e o concurso Chopin de piano, realizado em Varsóvia a cada cinco anos, além da inauguração do reformado Museu Chopin ao lado do Conservatório de Varsóvia, onde o compositor estudou.
"Chopin é nosso símbolo e produto turístico, e mais que isso", disse Albert Grudzinski, vice-diretor do Instituto Chopin. "Mesmo na época comunista, era a cultura que mantinha as pessoas unidas. Era nossa janela ao mundo."
E ela é também uma janela através da qual o mundo externo enxerga a Polônia. Em Varsóvia Chopin passou quase metade de sua vida. Ali ganhou fama como prodígio ao piano e compositor.
Mas a Varsóvia que ele conheceu virou escombros e foi apenas parcialmente reconstruída. Paris tem o túmulo de Chopin. Em Londres, uma placa identifica a casa onde ele passou algumas semanas infeliz, doente e encolhido diante de uma lareira, da qual se afastou brevemente para a que seria sua derradeira apresentação pública, um concerto em 1938.
Varsóvia, por outro lado, surpreende pelo pouco de autêntico que ainda guarda de seu artista mais famoso. A procura pelos lugares onde ele passou sua juventude não revela muitos locais originais de seu passado, mas sim ruínas e memórias.
O jovem guia turístico polonês Wojciech Mlotkowski estava na praça Pilsudski, segurando um GPS com um programa de marcos relacionados a Chopin.
"Foi aqui o primeiro lugar onde Chopin morou em Varsóvia", disse ele, abrindo o braço num gesto amplo para indicar uma larga praça de pedra ocupada apenas pelo Túmulo do Soldado Desconhecido. O palácio Saxão ficava ali, contou Mlotkowski. O palácio abrigava o liceu onde o pai de Chopin lecionou, além de alguns apartamentos habitados por famílias de professores, entre as quais a dele. Quando os nazistas ocuparam a Polônia, rebatizaram a praça de Adolf Hitler Platz. Então, em resposta ao levante de 1944 em Varsóvia, explodiram o palácio e a maior parte do resto da cidade. O túmulo é quase a única coisa que sobreviveu do que, na época, era a arcada do palácio.
A algumas quadras dali, uma placa anuncia o local dos saraus de Chopin no palácio Czapski. Como o restante dessa parte da cidade, o palácio é uma reconstrução erguida após a guerra. O edifício que Chopin conheceu foi arrasado pelos alemães. O artista compôs seus dois concertos para piano e suas primeiras mazurcas numa sala que não foi reconstruída.
Pelo menos Chopin deixou seu coração em Varsóvia. Depois da morte de Chopin em Paris, sua irmã trouxe seu coração de volta à Polônia, como ele desejara. Foi sepultado na Igreja do Sagrado Coração. Um general alemão amante da música -por acaso, um notório criminoso de guerra- ajudou a salvá-lo quando os nazistas puseram a igreja abaixo, após a revolta. Sheila Cleary, turista irlandesa, estava na igreja outro dia, procurando-o. "Eu queria encontrar algo de Chopin", disse ela.
Chopin foi um nacionalista intransigente. Chegou a negar-se a voltar à Polônia enquanto a Rússia estivesse ocupando o país. Isso fez com que, tendo deixado o país em 1830, aos 20 anos, ele nunca mais voltou a ver sua pátria. Quem sabe ele ter.


ON-LINE: A VARSÓVIA DE CHOPIN
Slides, links para um passeio com áudio e um mapa: nytimes.com/music




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