São Paulo, segunda-feira, 06 de junho de 2011

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Groupon usa palavra e comédia para vender

Um império na web mistura publicidade, jornalismo e humor

SALLY RYAN PARA THE NEW YORK TIMES
A Groupon conta com um departamento editorial de mais de 400 pessoas, a ampla maioria delas com menos de 30 anos, para produzir as palavras mágicas que ajudam a vender descontos para assinantes. A Groupon deverá abrir capital com avaliação de até US$ 25 bilhões

Por DAVID STREITFELD

CHICAGO - Ou a Groupon está criando uma nova abordagem ao comércio que mudará o modo como comemos, compramos e interagimos com o mundo físico, ou é um sinal de que a mania da internet está, mais uma vez, saindo do controle. Ou ambos.
Essa empresa sediada em Chicago oferece descontos em produtos e serviços -um modelo empresarial que novatas da internet tentaram desenvolver. Mas a Groupon tem mais de US$ 1 bilhão em receitas anuais nos EUA e no exterior e cerca de 50 milhões de assinantes em 35 países. A novidade da Groupon? Nem tanto os negócios, quanto um ingrediente que é improvável e efêmero: palavras.
"As pessoas ficaram insensíveis aos elementos da publicidade que lidam com seus medos e com suas esperanças, que insultam sua inteligência com abordagens seguras e mornas da criatividade", diz Aaron With, editor-chefe da Groupon. "Nós misturamos negócios com arte e criamos nossa voz."
A Voz. Segundo a Groupon, é a ela que os assinantes respondem, tanto quanto ao negócio em si. A Groupon emprestou algumas ferramentas e alguns termos do jornalismo, aliviou a mão tradicionalmente pesada da publicidade, acrescentou um pouco de bom humor e atitude e casou o resultado com um negócio com desconto.
"Trinta por cento dos nossos assinantes ganham mais de US$ 100 mil por ano", diz With. "Eles não precisam de um desconto de US$ 20 em um restaurante." A companhia rejeita ser considerada uma agência de publicidade, responsável por promover pizza e sushi baratos para qualquer um que queira contratá-la. A esperança, em vez disso, é que seus usuários a vejam como um guia imparcial de uma cidade ou um bairro, um pouco como o caderno de fim de semana do jornal local.
Hoje, existem centenas de imitadores, alguns deles tentando solapar a original cobrando do comerciante menos do que a Groupon; a concorrente mais próxima da Groupon, Living Social, é apoiada pela Amazon, a gigante do varejo. "Não estamos nem um pouco preocupados que qualquer concorrente apareça e comece a escrever como nós", diz With. "Eles tentam, mas fracassam."
Mas a Groupon conseguiu comprar imitadoras no exterior, ajudando a construir uma rede global notável em tempo recorde. Quase todo mundo na equipe editorial da Groupon, de mais de 400 pessoas, tem menos de 30 anos. O próprio With tem 29 e nenhuma experiência em jornalismo ou marketing: trabalhava para uma organização sem fins lucrativos de Chicago e, mais importante, já tocou em uma banda com Andrew Mason, o executivo-chefe da Groupon.
"Muitos redatores profissionais se candidatam aqui. Eu já tive interessados da Rolling Stone, do Wall Street Journal", disse Keith Griffith, diretor de pessoal. "Mas é difícil que eles façam o que nós realmente procuramos. É mais fácil ensinar as pessoas do que desensiná-las."
Uma das perguntas que a Groupon faz aos candidatos a funcionários:
Qual é a maneira mais interessante de descrever um candelabro de 2.500 quilos?
A. Um espetáculo à parte.
B. Mais brilhante que uma árvore de Natal estudiosa.
C. Uma armadilha mortal.
D. Realmente grande e brilhante.
Não muita gente passa no teste -a resposta certa é B- ou se sai bem na redação de amostra.
Outro motivo pelo qual o emprego atrai mais jovens é porque o salário de novos redatores não tem nada de extravagante -cerca de US$ 37 mil por ano. Whitney Holmes, uma editora sênior de 27 anos que é poeta e diplomada em belas artes pela Universidade do Alabama, é encarregada de ensinar a Voz aos recrutas. "Inspiração é um monte de besteira", diz Holmes. "Você pode ensinar alguém a juntar coisas que são engraçadas."
Dirigindo-se a uma nova safra de redatores em uma sessão de treinamento, ela busca primeiro tranquilizá-los. "Conseguir a Voz da Groupon não tem a ver com ser inerentemente engraçado. Se fosse assim, 93% de nossos redatores não teriam emprego", ela diz.
Os redatores riem sem graça. Holmes os conduz em um giro rápido sobre a história e a teoria do humor. Um exemplo de utilização bem sucedida da Voz da Groupon para um serviço de ioga e massagem: "O mundo moderno de hoje, com sua pletora de países, panóplia de vias aquáticas e leis em constante mudança sobre o que é e não é fraude postal, é tão confuso quanto estressante. Tenha uma definição clara de relaxamento com a Groupon hoje."
Para um dentista: "A fada do dente é uma fetichista invasora especializada em comércio de marfim no mercado negro e precisa ser detida. A Groupon ajuda a manter dentes nas bocas e fora das mãos de fantasmas alados maníacos."
Holmes diz: "Toda piada tem uma proposta e uma recompensa. Se a proposta é confusa, a recompensa não chega".
Infelizmente, às vezes, a recompensa pela empresa que oferece o serviço desaparece na confusão de palavras. Restaurantes foram inundados por Groupons bem-sucedidos em que são obrigados a vender muitas refeições por um preço baixo demais. Além disso, diante da velocidade de suas aquisições no exterior, a Groupon estabeleceu um controle de qualidade limitado sobre os negócios fechados com as empresas locais.
Ainda assim, o Google tentou comprar a Groupon em dezembro por supostos US$ 6 bilhões. Era uma quantia enorme para uma empresa de dois anos, mas foi um negócio que a Groupon não gostou.
Em vez disso, recebeu dinheiro para se expandir -US$ 950 milhões- através de mais uma rodada de financiamento de capital de risco.
A Groupon gaba-se de um processo editorial demorado. Depois que um texto está pronto, ele vai para verificação de fatos. Depois vai para o editor da Voz, Ben Kobold, que, na tradição de todos os editores, olha para o texto, suspira, se encolhe em sua cadeira e, muitas vezes, passa a reescrever a maior parte dele.
Então, um improviso vem de um dos quatro redatores de humor do Groupon. Quanto mais você conseguir rir com a Groupon, mais você gostará dela. Ou é isso que a companhia espera.
"Com a chegada da temporada de concertos de piano, fingir a própria morte está ficando cada vez mais popular", começava um improviso recente. Cartas iradas se seguiram. Cullen Crawford, o redator, balança a cabeça. "Só porque tinha a palavra 'morte'?", explica. Parece que a Groupon preencherá os maiores sonhos de seus investidores e primeiros funcionários abrindo seu capital no ano que vem. A oferta poderá avaliar a empresa em US$ 25 bilhões, o que cobriria a estreia do Google em 2004 como a mais rica da internet.
Talvez em retrospectiva, essa soma pareça um grande negócio, como foi o do Google. Ou talvez seja a melhor piada da Groupon em todos os tempos.


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