São Paulo, segunda-feira, 06 de junho de 2011

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Motivação da Rússia é questionada em cerco aos corruptos

Por ANDREW E. KRAMER

NIZHNY TAIGIL, Rússia - Como uma cena de um sonho de criminosos, todos os detentos de um complexo presidiário aqui na Rússia ocidental -cerca de 2.000- são antigos policiais, promotores, inspetores de impostos, agentes alfandegários e juízes.
As autoridades penitenciárias russas ofereceram uma rara visita a esta colônia penal especializada para demonstrar que seus detentos não gozam de privilégios.
As autoridades comprovaram o que queriam. Pelo menos em condições de alojamento, a penitenciária é tão lúgubre quanto a maioria. No interior dos muros feitos de blocos de concreto sem pintura, barreiras de arame farpado separaram os pátios em zonas para os detentos que cumprem penas longas e para os infratores leves.
Mas a visita à prisão, Colônia Correcional 13, também ressaltou um ponto que as autoridades talvez não quisessem destacar: a maioria dos detentos está aqui por delitos relacionados ao trabalho, desde o recebimento de propinas até agressões a suspeitos.
Como disse o ex-investigador Andrei V. Shumilov, comentando condenação por ter socado um suspeito em interrogatório: "Eu estava investigando um crime e cometi um crime, eu mesmo".
As dez prisões reservadas para ex-policiais e outros integrantes do establishment policial constituem um legado de uma reforma do sistema de colônias penais realizada no período pós-Stálin, que reduziu a prevalência de algumas de suas práticas mais brutais. Um problema identificado pelos reformadores foi que, nas prisões que abrigavam grande número de homens em celas compartilhadas, os antigos policiais, frequentemente, eram vítimas de violência por parte de outros detentos revoltados com figuras de autoridade.
Hoje, as prisões de policiais estão em atividade intensa -evidência, dizem as autoridades, da campanha do presidente Dmitri A. Medvedev para combater a corrupção. Esta colônia penal abriga 78 detentos a mais do que o pretendido por seus criadores soviéticos e cerca de 500 a mais do que cinco anos atrás, segundo o carcereiro Sergei B. Svalkin.
Em 1° de fevereiro deste ano, segundo o serviço carcerário federal, o conjunto de dez prisões tinha 9.023 detentos, quase mil a mais do que os 8.046 ex-policiais que estavam encarcerados em 2008.
Mas críticos do sistema de Justiça criminal da Rússia dizem que as prisões superlotadas representam uma medida da escala da corrupção nos círculos da polícia e do governo, mais do que qualquer avanço a uma solução.
Mesmo o ministro do Interior, Rashid G. Nurgaliyev, reconheceu, em depoimento ao Parlamento, concedido em maio, que verificações revelaram que policiais do alto escalão tinham adquirido imóveis caros de modo inexplicável. Segundo ele, mais de um terço dos integrantes -94 de 250 funcionários- investigados por um comitê de combate à corrupção na primavera não tinham dado respostas aceitáveis às perguntas do comitê. A despeito dos salários baixos pagos nos antigos empregos, disse o ministro, muitos deles possuem imóveis no exterior.
A Colônia Correcional 13 oferece uma visão de quão problemático se tornou o sistema de Justiça criminal.
Os ex-policiais falaram sobre o que é a razão principal pela qual se tornaram corruptos ou abusivos: os salários baixíssimos, que alimentavam sua frustração e faziam com que pagamentos adicionais se tornassem um complemento bem-vindo de renda.
Shumilov, o ex-investigador policial que está cumprindo sete anos de prisão, segundo ele por ter causado contusões em um suspeito, disse que estava apenas tentando investigar uma quadrilha de roubo de carros.
Dmitri V. Rusanov, que foi capitão no Departamento de Polícia de Samara, disse que, em 2006, aceitou uma propina de 10 mil rublos (US$ 330) de um veterinário para não registrá-lo como usuário de drogas em banco de dados da polícia. Seu salário, na época, era de 8.000 rublos ou cerca de US$ 295.
"As pessoas não se preocupam com a possibilidade de perder um emprego que paga tão pouco", ele disse, dando de ombros.
Georgi V. Azbarov, que foi capitão no Serviço de Segurança Federal, o órgão sucessor da KGB, até ser condenado por tentar organizar um assassinato por encomenda em 2003, disse que a conexão entre salários baixos e brutalidade no trabalho deve ser óbvia.
"Chamam um jovem de policial, mas pagam a ele tão pouco que ele não tem como sustentar sua família", disse Azbarov. "Ele não consegue pensar em outra coisa senão as compras do mês. Ao mesmo tempo, exerce poder e autoridade. É aí que está o problema."
Azbarov apresentou uma teoria diferente para explicar a corrupção nos altos escalões. Segundo ele, os promotores não investigam todas as pistas. Em lugar disso, as autoridades em Moscou dão carta branca a burocratas provinciais para que ganhem dinheiro irregularmente, investigando apenas aqueles que se chocam politicamente com o Kremlin. Nesse sentido, explicou, enxerga muitos de seus amigos e colegas detentos na Colônia Correcional 13 como tendo sido condenados por corrupção e, ao mesmo tempo, como prisioneiros políticos (vale destacar que Azbarov declarou ter sido condenado injustamente; ele disse que um chefe de polícia regional corrupto armou trama contra ele).
Uma análise dos detentos nesta prisão mostra que a imensa maioria, 1.590, é de antigos policiais. Mas há também 22 oficiais de Justiça, 15 agentes do Serviço de Segurança Federal, algumas dezenas de promotores, inspetores de impostos de diversos órgãos e dois juízes.
As estimativas quanto ao grau de corrupção que continua em curso fora da prisão variam. Uma delas veio de um relatório do Ministério do Interior publicado em 2010 segundo o qual as autoridades russas tinham recebido US$ 33 bilhões em propinas no ano anterior. O Ministério estimou o valor médio de cada propina em 23 mil rublos, ou US$ 851, pelo câmbio atual.
Uma nova lei da polícia aprovada em fevereiro -e defendida por Medvedev- tem por objetivo reduzir a corrupção, em parte através do aumento dos salários. A lei vai enxugar em 20% a força policial russa, de 1 milhão de agentes. Os policiais que permanecerem vão ganhar pelo menos 33 mil rublos mensais ou US$ 1.222.
Outras modificações previstas na lei são apenas superficiais, como a mudança do nome da força de "milícia", o nome usado na era soviética, para "polícia".
Os ex-policiais que cumprem pena na Colônia 13 se mostraram especialmente céticos quanto às chances de a mudança de nome fazer grande diferença.
"Antes éramos a milícia, agora somos a polícia", disse, em tom de pouco caso, Ruslan A. Aslanov, ex-policial de Chelyabinsk, nos Montes Urais, que disse que está cumprindo pena por ter provocado a ruptura do baço de um suspeito quando o prendeu. "Na realidade, nada mudou."

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Fotos retratam o interior da Colônia Correcional 13: nytimes.com/world
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