São Paulo, segunda-feira, 06 de setembro de 2010

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DUAS ECONOMIAS, REMÉDIOS DIFERENTES

Estratégia chinesa favorece companhias estatais

NA CHINA Enquanto o governo mantém estratégia que favorece estatais, crescem os temores de que o milagre econômico chinês esteja ameaçado. Nos mercados de aço de Taiyuan, acima, e em outros locais na Província de Shanxi, dominam as firmas estatais

Youth Jin/European Pressphoto Agency


Por MICHAEL WINES
PEQUIM - Depois de décadas cedendo terreno para empresários privados, as companhias estatais da China estão novamente em marcha.
Conforme o governo chinês enriqueceu, bombeou dinheiro público para companhias que, no seu entender, vão aperfeiçoar a base industrial e empregar mais trabalhadores. Os beneficiários são interesses de propriedade estatal que, para muitos analistas, diminuiriam gradualmente na concorrência com o setor privado.
Hoje, analistas se perguntam se a China, que se diz socialista mas muitas vezes é considerada capitalista no Ocidente, na verdade busca reforçar o controle do governo em setores da economia. A distinção pode ser mais importante do que já foi. A China superou o Japão este ano, tornando-se a segunda maior economia do mundo, e seu modelo de desenvolvimento dirigido pelo Estado é muito atraente para os países pobres.
Os líderes chineses, outrora ávidos para aprender com os EUA, durante a crise financeira reafirmaram sua fé na abordagem mais estatal da gestão econômica, em que o capitalismo privado tem apenas um papel secundário.
"As vantagens do sistema socialista", disse o primeiro-ministro Wen Jiabao em um discurso em março, "nos permitem tomar decisões eficientemente, organizar eficazmente e concentrar recursos para realizar grandes empreendimentos".
Wen e o presidente Hu Jintao são considerados menos sintonizados com interesses de investidores estrangeiros e do próprio setor privado chinês do que a geração anterior de líderes que iniciaram as reformas econômicas. Eles preferem salientar a influência e o alcance econômico das empresas estatais no topo da hierarquia.
"A China sempre teve uma importante política industrial. Mas durante alguns anos pareceu evitar uma política ativa e intervencionista em favor de uma abordagem mais relaxada", disse Victor Shih, cientista político da Universidade Northwestern, em Illinois (EUA).
Shih, entre outros, acredita que as reformas da década de 1980, que deslancharam o setor privado chinês, e as de 1990, que desmantelaram grandes partes do setor estatal, estão sendo parcialmente revertidas.
"O problema é que as reformas dos primeiros 20 anos, a partir de 1978, na verdade não tocaram no poder do governo", disse Yao Yang, professor da Universidade de Pequim que chefia o Centro para Pesquisa Econômica da China. "Depois que as outras reformas terminaram, você realmente vê que o governo está se expandindo, porque não há controle e balanço de seu poder."
Outros afirmam que as autoridades sempre pretenderam criar um setor estatal vibrante que predominaria sobre o privado em indústrias importantes, mesmo enquanto vendiam ou fechavam empresas estatais deficitárias que tiravam capital do orçamento do governo e do sistema bancário.
O alarme recente sobre o papel expansivo do Estado, disse Arthur Kroeber, da Dragonomics, firma de previsão econômica em Pequim, é principalmente "a percepção alcançando a realidade".
Mas os céticos acreditam que as distorções e o desperdício, em parte devido à interferência do governo, vão fazer cair os índices de crescimento bem antes de 2020. A China, como o Japão uma geração atrás, tem confiança demais em uma estratégia econômica de cima para baixo, eles dizem.
Os céticos notam também a crescente influência política e financeira dos gigantes estatais da China -129 conglomerados que respondem ao governo central e milhares de menores, dirigidos por Províncias e cidades.
Embora não exista um colapso público, a maioria dos especialistas diz que o grosso do pacote de estímulos de 4 trilhões de renminbi (US$ 588 bilhões) que a China bombeou para novas estradas, ferrovias e outros grandes projetos foi para companhias estatais. Algumas delas usaram o dinheiro para reforçar o predomínio em seus mercados ou para entrar em novos.
"Em 2009, houve uma enorme expansão do papel do governo no setor corporativo", disse Huang Yasheng, analista do capitalismo no estilo chinês no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. "Eles estão produzindo iogurte. Eles estão nos imóveis."
Em nível local, os governos montaram até 8 mil companhias de investimentos estatais em 2009 para canalizar os dólares do governo para empresas e empreendimentos industriais, disse Huang. Basta um exemplo: uma fabricante de carros privada chinesa, a Zhejiang Geely Holding Group, fez um acordo em março para comprar da Ford a Volvo sueca. Grande parte do preço de aquisição de US$ 1,5 bilhão não veio dos modestos lucros da Geely, mas de governos locais no nordeste da China e na área de Xangai.
A Geely desde então retribuiu, anunciando que vai construir sua sede da Volvo e uma montadora em um distrito industrial de Xangai.
Os motivos do maior envolvimento do Estado nos negócios variam. O controle estatal dos suprimentos energéticos é crucial para o crescimento chinês, e assumir a mineração de carvão em Shanxi vai aumentar a produção, garantir combustível para algumas empresas públicas estatais e dar a Pequim um novo poder para controlar os preços do carvão.
Mas em outras áreas o Estado parece mais mercenário. As empresas estatais na China tomaram para si o melhor da economia, "deixando o setor privado bebendo a sopa enquanto as estatais comem a carne", disse Cai Hua, vice-diretor de uma organização no estilo câmara de comércio na Província de Zhejiang.
Cai diz acreditar que seu país precisa de indústrias dirigidas pelo governo para competir globalmente e administrar o desenvolvimento interno do país. Mas em nível local, ele disse, suas vantagens -ser a primeira da fila para o financiamento de bancos estatais, a primeira da fila para socorro estatal quando enfrentam problemas, a primeira da fila para o pacote de estímulo- criaram uma "profunda desigualdade" com as concorrentes privadas.
Analistas argumentam que os conglomerados estatais, construídos com dinheiro e favores do Estado contra as concorrentes globais, hoje tornaram-se centros de poder político, capazes de evitar os esforços de Pequim para as controlar.
Os líderes chineses tentaram algumas vezes no último ano conter os excessos especulativos das empresas estatais nos imóveis, crédito e outras áreas. Em maio, o Conselho de Estado emitiu ordens para dar às companhias privadas um melhor tratamento nos contratos do governo -para estradas e pontes, finanças e até obras militares. Mas regras semelhantes foram emitidas cinco anos atrás, com pouca eficácia.
O sucesso da China fala bem de sua estratégia de cima para baixo, dizem outros economistas. A Coreia do Sul e o Japão construíram suas economias com forte ajuda estatal.
Os especialistas têm apenas duas perguntas. Uma é por quanto tempo ainda o controle do Estado em vastas áreas da economia vai gerar esse crescimento. A outra é: se essa estratégia deixar de funcionar, a China será capaz de modificá-la?


Colaborou com pesquisa Li Bibo



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