São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2011

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ENSAIO

LUISITA LOPEZ TORREGROSA

Surge uma heroína mais complexa para os tempos modernos

NOVA YORK - A essência das mulheres, muitas vezes, foi reduzida, para colocar de forma um tanto crua, a uma dicotomia profundamente marcada: santa ou prostituta. Case-se com uma; faça sexo com a outra. É uma visão das mulheres que sobreviveu às mudanças de atitudes sociais e a surtos periódicos de feminismo.
Mas nas últimas décadas -marcadas por um avanço mais radical das mulheres e uma certa apreciação dessa mudança- surgiram variações sobre o tema na sociedade e na cultura pop. Em filmes, livros, música e televisão e nas redes de mídia social, repensamos os papéis dos gêneros, e a velha metáfora da virgem versus piranha soa falsa, se é que um dia foi verdadeira.
Hoje, acompanhando o que alguns chamam (esperançosamente) de era do empoderamento feminino, é maior a probabilidade de que as mulheres sejam moldadas ou representadas como objetos sexuais ou heróis de ação -ou as duas coisas em uma. São imagens romantizadas.
Mas essas mulheres não são ornamentais. Não são emocionalmente moles, nem são mulheres sofridas ao lado de seus homens. Elas tendem a ser sensuais ou cerebrais, coquetes ou feiticeiras, mas os papéis desempenhados atualmente se interpenetram e, às vezes, se fundem.
É nos livros e nos filmes que percebemos o caleidoscópio das novas imagens femininas. Revendo a safra de heróis de ação e objetos sexuais, há um punhado de mulheres ficcionais e de carne e osso que gritam por atenção.
Nos livros, há Cleópatra e Lisbeth Salander. A personagem Salander, uma sueca bissexual gênio da computação, incendiou as listas dos mais vendidos com "The Girl With the Dragon Tattoo", de Stieg Larsson, e a sequência "The Girl Who Kicked the Hornet's Nest".
Salander não é loura, linda ou atlética e forte. É uma ninfa, com pouco mais de 41 quilos, um sorriso frio no rosto cheio de ângulos. Ela tem nervos de aço e luta contra bandidos três vezes maiores. Supera qualquer um que cruze seu caminho: assassinos, policiais, espiões, advogados, estupradores e psicopatas. Salander é o proto-herói de ação do século 21.
Cleópatra, que derrotou Exército e seduziu homens poderosos, continua sendo um símbolo da mulher definitiva, uma mistura de herói de ação e objeto sexual. O interesse pela última rainha do antigo Egito foi reavivado por uma nova biografia, "Cleopatra: A Life", de Stacy Schiff, vencedora do prêmio Pulitzer.
Cleópatra foi uma líder carismática, uma amante selvagem e sedutora consumada.
Nos filmes, há Angelina Jolie como Evelyn Salt, a agente secreta da CIA impelida pela vingança. Em Salt, Jolie deixa o sistema, interpretando uma máquina de vingança solitária, abusando de seu visual arrasador e dos instintos assassinos.
Não é surpresa que Jolie interprete Cleópatra na adaptação por Hollywood da biografia de Schiff. Uma visão mais sombria da mulher motiva o novo thriller psicossexual "Cisne Negro". O filme conta a história de uma jovem bailarina interpretada por Natalie Portman, que realiza seu sonho quando é escolhida para fazer o duplo papel do virtuoso cisne branco e seu maligno gêmeo negro em "O Lago dos Cisnes".
Sob a tensão de interpretar os dois papéis e obrigada a mergulhar fundo em sua psique, ela quebra, e sua sexualidade explode. Afinal, essa Nina atormentada triunfa no palco, personificando os cisnes branco e preto -virgem e prostituta- talvez com demasiada perfeição.
Muitas dessas imagens misturam traços femininos e masculinos, criando personalidades mistas que desafiam os rótulos.
Mas quem, dentre elas, unifica esses opostos em um todo completo?
"Cleópatra é, mais ou menos, a mulher americana moderna perfeita, embora não seja moderna nem americana", disse Bob Thompson, um especialista em cultura popular na Universidade de Syracuse em Nova York.
"De certa maneira, Cleópatra personifica onde estamos hoje em relação a como pensamos as mulheres, como as apresentamos, como as embalamos", continuou Thompson. "Ela é uma figura tão moderna porque foi completamente liberada."
É uma imagem interessante de se contemplar em 2011: a antiga imperatriz egípcia como uma mulher ocidental moderna.


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