São Paulo, segunda-feira, 07 de junho de 2010

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EUA tentam reintegrar combatentes do Taleban

Por ELISABETH BUMILLER

MIAN POSHTEH, Afeganistão - O jovem prisioneiro insurgente foi levado vendado para uma tenda militar sufocante, sentado entre 17 anciãos da aldeia e, então, de olhos descobertos, enfrentou um promotor que empunhava um documento com a assinatura ou impressão digital dos idosos.
O capitão Scott Cuomo, comandante dos fuzileiros navais dos EUA que atuava como promotor, disse ao prisioneiro: "Esta carta aqui é um juramento de todos os seus idosos de que eles estão sendo seus fiadores e que você nunca mais apoiará o Taleban ou lutará com o Taleban".
Depois de um "julgamento" de meia hora, o capitão apresentou o veredicto do grupo ao prisioneiro silencioso, Juma Khan, 23, que os fuzileiros haviam capturado depois de encontrar um detonador de bomba, munição e ópio enterrados em seu quintal.
O pai de Khan e seu avô, que era um dos idosos, estavam no grupo. "Por isso em nome da paz, sua família, seu avô, vamos libertá-lo", declarou solenemente o capitão Cuomo.
Assim a justiça foi feita em uma tarde de sábado recente, nas profundezas do território do Taleban no vale do rio Helmand (sul), onde a teoria por trás da iniciativa americana para "reintegrar" o inimigo encontra a realidade ambígua de uma guerra que já dura quase uma década.
O capitão Cuomo, 32, de Long Island, admitiu os riscos do julgamento e outros parecidos que ocorrem no Afeganistão. "Se eu sei que Juma Khan não vai dar meia- volta e se unir ao Taleban?", ele perguntou. "Não." No entanto, o esforço continua.
Enquanto Washington e Cabul discutem seus planos para reconciliar-se com membros graduados do Taleban, comandantes militares em campo no Afeganistão estão reintegrando soldados rebeldes por conta própria. O motivo é simples, disse Cuomo: enquanto os fuzileiros são "treinados para lutar, e não nos importamos de lutar, o problema da luta é que ela não traz estabilidade para sua casa".
Seis dias depois da libertação de Khan, em 1? de maio, outro comandante dos marines, o capitão Jason C. Brezler, recebeu promessas de 25 ex-insurgentes de que se inscreveriam como recrutas na polícia na aldeia de Soorkano, no norte de Helmand.
Uma semana depois em Marjah, onde os choques entre fuzileiros navais e o Taleban continuam depois da ofensiva americana em fevereiro, o tenente-coronel Brian Christmas libertou dois jovens que admitiram lutar pelo Taleban, depois que eles e dois idosos assinaram promessas de que não voltariam a combater.
Agindo sob diretrizes militares destinadas a convencer combatentes de baixo escalão a deixar as armas, os comandantes repetem o mantra de que os EUA nunca matarão pela vitória no Afeganistão. Eles dizem que em uma guerra de contrainsurgência destinada a conquistar a população, a reintegração é crucial porque o Taleban está profundamente entremeado no tecido social do país.
"Entendo por que eles são do Taleban", disse Cuomo após a libertação de Khan. "O que você quer que eles sejam? Se eu quisesse fazer alguma coisa eu teria de fazer parte do Taleban."
Oficiais descrevem a reintegração até agora como no máximo esporádica, um esforço interino antes de um processo mais formal que eles esperam que o governo afegão adote em uma reunião de cúpula política em Cabul nas próximas semanas.
No ano passado, como parte de um programa afegão para dar empregos aos militantes que desertassem, o governo de Cabul disse que pelo menos 9.000 rebeldes haviam entregado suas armas.
O major-general Richard Barrons, comandante britânico em Cabul que ajudou a supervisionar o esforço de reconciliação, disse que o governo afegão hoje estima que haja 40 mil combatentes a ser recuperados, com mil deles no topo, incluindo o líder do Taleban, mulá Muhammad Omar, como os mais importantes.
Oficiais americanos dizem que não têm uma ideia clara de quantos do Taleban se reintegraram até agora, incluindo algum que o fez nos anos anteriores da guerra, mas que o número é pequeno.
O que impede Khan de voltar ao Taleban? Os fuzileiros dizem que os idosos da aldeia que o afiançaram vão ajudar a mantê-lo sob guarda, numa espécie de liberdade condicional. Os fuzileiros vão se reunir com ele regularmente e pressioná-lo para obter dados sobre seus amigos. Eles também esperam ser empregados em um projeto de limpeza de um canal.
"Se eles perceberem em algum momento que a causa que pensam estar defendendo não é válida, e que estamos aqui para trazer estabilidade à região, então você precisa fazer um gesto de abertura", disse Cuomo. Mas ele mesmo se questionou se, no entanto, o gesto não se voltará contra ele no futuro.


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