São Paulo, segunda-feira, 08 de fevereiro de 2010

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Ensaio- Sean Carroll

Anticongelante próprio vale mais que casaco

Quando a temperatura chega a suas mínimas anuais, quem vive em latitudes mais elevadas se retira para abrigos confortáveis. Podemos simpatizar com as aves e esquilos que resistem ao frio, mas não pensamos muito em criaturas menores e menos atraentes -os insetos e as aranhas, por exemplo, que habitavam o quintal ou os bosques no verão.
Eles vão ressurgir na primavera, então de alguma forma devem ter sobrevivido ao frio. Como fazem isso sem a ajuda de pelos ou penas?
A ameaça à vida em temperaturas baixas não é o frio, mas o gelo. Como as células e os organismos são compostos principalmente por água, o gelo é potencialmente letal porque sua formação perturba o equilíbrio entre os fluidos dentro e fora das células, o que leva ao seu encolhimento e a danos irreversíveis aos tecidos.
Os insetos desenvolveram várias formas de evitar o congelamento. Uma estratégia é simplesmente fugir do inverno. Borboletas monarcas do hemisfério Norte, por exemplo, migram para o sul. Ótima solução, mas trata-se de uma capacidade relativamente rara.
Vários insetos evitam o gelo rastejando para buracos ou tocas sob a cobertura da neve ou a linha da geada, e algumas larvas passam o inverno no fundo de lagos que não congelam completamente. Mas muitos insetos, além de outros animais, se defendem por meio da engenhosidade bioquímica, produzindo um anticongelante.
Os primeiros anticongelantes animais foram identificados há várias décadas no plasma sanguíneo de um peixe antártico por Arthur DeVries, hoje na Universidade de Illinois, e seus colegas. O oceano em torno da Antártida é suficientemente salgado para permanecer líquido vários graus abaixo da temperatura de congelamento da água doce. As abundantes partículas de gelo que flutuam nessas águas são um risco para os peixes, porque, se ingeridas, podem iniciar a formação de gelo no intestino, e aí rapidamente os bichos viram picolé. A não ser que algo impeça os cristais de gelo de crescer.
É isso que as proteínas anticongelantes do peixe fazem. Os tecidos e a corrente sanguínea de cerca de 120 espécies de peixes da família Notothenioidei são cheios de anticongelante. Os peixes com anticongelantes hoje dominam as águas antárticas. Sua capacidade de sobreviver e prosperar em águas gélidas é impressionante, mas os insetos precisam sobreviver em terra a temperaturas muito mais baixas.
Mas a inovação dos insetos vai além do anticongelante. Biólogos descobriam outra estratégia para enfrentar o frio: algumas espécies, como um besouro do Alasca conhecido por "upsis", simplesmente toleram o congelamento.
Para isso, é crucial que os insetos minimizem os danos normalmente causados pelo congelamento (e pelo degelo). Não se trata meramente de uma questão de entomologia esotérica do Ártico. Um antigo desafio na preservação de órgãos humanos é justamente o problema que esses insetos resolveram -como os tecidos podem ser congelados por um longo tempo e depois descongelados com sucesso. A partir disso, pesquisadores tentam descobrir como aplicar descobertas do mundo animal nas salas de cirurgia.


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