São Paulo, segunda-feira, 08 de junho de 2009

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Ensaio
Natalie Angier

O onipresente fungo, de matador a companheiro no jantar


Não podemos, nem queremos, livrar o mundo desses organismos

No leste dos EUA, milhares de morcegos morreram de uma agressiva doença fúngica chamada síndrome do nariz branco, e centenas de milhares, ou mesmo milhões, correm o risco de contraí-la. Sapos e salamandras de todo o mundo estão morrendo em números catastróficos, muito provavelmente de uma doença fúngica chamada quitridiomicose, que entope a pele do anfíbio e perturba a química de seu sangue. As florestas nas costas oeste e sul da América do Norte estão definhando por causa de fungos injetados na madeira por besouros.
Não podemos abrir algumas garrafas gigantes de desinfetante e limpar o mundo de seus fungos infernais, do bolor que causa alergias e do mofo esporígeno, com sua decomposição e podridão?
Nunca poderemos livrar o mundo dos fungos, é claro, nem desejamos isso. Cerca de 100 mil espécies de fungos foram catalogadas, e os cientistas estimam que pelo menos mais 1,5 milhão ainda serão descobertas.
Os fungos estão em toda parte, em todo continente e em todo mar, flutuando no ar, emaranhados no solo, depositados na nossa pele, colonizando as cavidades mucosas e se instalando em frutas esquecidas. E, embora alguns fungos sejam patogênicos e matem o tecido vivo em que penetram, a vasta maioria deles é benigna, e muitos são essenciais para as formas de vida que os cercam.
“Eles são os principais decompositores”, superando até bactérias, vermes e minhocas, disse David J. McLaughlin, micologista da Universidade de Minnesota.
Os fungos também têm talento para a simbiose, para estabelecer relacionamentos cruzados entre reinos que mantêm os fungos alimentados e felizes enquanto dão a seu parceiro novos poderes extensos. Talvez 90% de todas as plantas terrestres dependam dos chamados fungos micorrizais, que lançam suas raízes e se alimentam modestamente de seus açúcares enquanto lhes fornecem nutrientes do solo como fósforo e nitrogênio. E os botânicos suspeitam que as plantas talvez nunca tivessem saltado para a terra há cerca de 500 milhões de anos sem seus ajudantes micorrizais.
Os fungos podem ter dado origem à cultura humana. Pelo pão para dividir com os velhos amigos e um jarro de vinho para fazer novos, podemos agradecer ao fungo Saccharomyces, o fermento dos padeiros e vinicultores.
Mais recentemente, o Saccharomyces serviu como organismo modelo no laboratório, uma excelente maneira de explorar como os genes se comportam e as células se dividem, e um sujeito experimental muito mais barato que um roedor. As células fúngicas vêm a ser surpreendentemente semelhantes às animais, e os pesquisadores recentemente determinaram que as linhagens fúngicas e animais só se separaram milhões de anos depois que ambas se ramificaram das plantas.
Os fungos mais conhecidos são os cogumelos. Tendo alimento e espaço suficiente, os filamentos de um fungo fundador podem crescer por milhares de hectares de terra e durar séculos ou milênios, enquanto produzem cogumelos geneticamente idênticos acima do solo, e os biólogos acreditam que essas massas filamentosas estão entre os maiores e mais antigos organismos da terra.
A maioria dos fungos é adaptada para crescer em temperaturas frias, e é por isso que os patógenos entre eles tendem a atacar plantas ou animais de sangue frio, como insetos, répteis ou anfíbios.
Mesmo assim, a maioria das doenças fúngicas não é fatal, e a variedade virulenta que estaria envolvida na atual mortandade de anfíbios pode ter sido introduzida nas populações naturais por sapos usados em pesquisa médica.


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