São Paulo, segunda-feira, 08 de junho de 2009

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Salgado direciona seu olhar à natureza

Por JORI FINKEL

LOS ANGELES — A mancha urbana de Los Angeles é gritantemente diferente dos quase desabitados desertos e florestas para onde Sebastião Salgado tem viajado por causa do seu projeto “Gênesis”.
Famoso por dar um rosto humano para a opressão política e econômica nos países em desenvolvimento, Salgado agora tem fotografado os vestígios mais intocados da natureza que consegue encontrar.
Mas esse tipo de ambientalismo é custoso e exige que ele vá às grandes cidades em busca de apoio. Foi isso que o levou à Califórnia, para uma maratona de três dias de conversas, reuniões e festas. Mas o fotógrafo brasileiro de 65 anos diz que não se importa e que não perde o foco no trabalho quando está cercado por patrocinadores que são colecionadores de arte e celebridades.
“Vim aqui para coisas especiais, mas minha cabeça está lá, meu corpo está lá”, disse. “Eu posso estar dormindo em um quarto de hotel em Los Angeles, mas na minha cabeça estou sempre editando imagens.”
Para “Gênesis”, projeto de oito anos que já está mais da metade finalizado, ele está montando uma narrativa visual acerca dos efeitos do desenvolvimento sobre o meio ambiente. Fotografa temas naturais que ele acredita que tenham de certa maneira “escapado ou sido resgatados” das mudanças: paisagens terrestres e marítimas, animais e tribos indígenas que representam um estado anterior e mais puro da natureza.
Nesse sentido, “Gênesis” é um grandioso projeto romântico de volta à natureza. Salgado também o descreve como um retorno à infância, já que ele foi criado em uma fazenda no vale do Rio Doce (MG), numa área de Mata Atlântica que sofreu terrível erosão e desmatamento. Anos depois, em 1998, ele e sua esposa, Lélia, fundaram o Instituto Terra, em 600 hectares da propriedade, para realizar um ambicioso projeto de reflorestamento. Sua esposa, que também desenha seus livros e exibições, preside o instituto; ele é o vice-presidente e porta-voz. Ou, como escreveu Ian Parker na revista “New Yorker”, Salgado é mais do que um fotojornalista, “assim como Bono é algo mais do que um pop star”.
Desde que iniciou “Gênesis”, em 2004, ele já visitou cerca de 20 lugares em cinco continentes. Começou pelas ilhas Galápagos, numa homenagem às pesquisas de Darwin no local. No ano passado, esteve dois meses na Etiópia, percorrendo a pé cerca de 800 quilômetros para fotografar montanhas, tribos e espécies raras. “Eu estava viajando nessa área do mesmo jeito que as pessoas faziam de 3.000 a 5.000 anos atrás”, disse ele.
Bem, quase do mesmo jeito. Ele levava um telefone por satélite, de modo que pôde receber notícias sobre a eleição nos EUA em novembro. “Quando soubemos que [Barack] Obama havia ganhado, todos que guiavam aquelas mulas começaram a pular”, disse. Ele é cautelosamente otimista a respeito do seu trabalho ambiental. “Estou 100% seguro de que minhas fotografias sozinhas não fariam nada. Mas como parte de um movimento maior, espero fazer uma diferença”, disse. “Não é verdade que o planeta esteja perdido. Devemos nos esforçar para preservá-lo.”
Seus projetos anteriores também eram guiados por um senso de urgência. Antes de se tornar fotógrafo, ele fez doutorado em economia agrícola na Universidade de Paris e trabalhou em Londres como economista da Organização Internacional do Café. Pode-se notar essa formação na abrangência e complexidade da sua fotografia.
“Trabalhadores”, um projeto de sete anos concluído em 1992, apresentava imagens sobre esse tema feitas em 26 países. “Êxodos”, completado em 1999, após seis anos em cerca de 40 países, abordava migrantes, refugiados e outras populações deslocadas.
Salgado enfatiza as continuidades entre os seus vários projetos. “Não há diferença entre fotografar um pelicano, um albatroz ou um ser humano”, disse. “Deve-se prestar atenção neles, passar tempo com eles, respeitar seu território.” Mesmo paisagens, afirmou, têm personalidade própria e recompensam certa dose de paciência.
“Gênesis” pode parecer um legado: a contribuição cuidadosamente planejada e bem intencionada de um veterano fotojornalista para seus filhos, netos e para o mundo em geral. Mas Salgado disse que não acha que esse será o último. “Não conheço nenhum fotógrafo que tenha parado de trabalhar porque completou 70 anos.”


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