São Paulo, segunda-feira, 08 de novembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Quando a obra de arte se decompõe

Por HENRY FOUNTAIN
Eleonora Nagy lembra-se da primeira vez em que viu de perto a escultura "Sem Título", de 1966, do artista Paul Thek. Ela faz parte de uma série de trabalhos conhecidos como "peças de carne" e parecia um fragmento de membro apodrecido.
"Abrimos, ao lado dos funcionários do museu, a obra de arte antes do almoço", lembra Nagy. "E eu disse 'Uh!... Perdi o apetite'."
Essa reação era exatamente o que desejava Thek, que foi uma figura importante no mercado de arte de Nova York, mas morreu em relativa obscuridade em 1988, disse Nagy. Com seus detalhes bizarros -uma língua de material brilhante que brota do interior, pelos que parecem crescer através da caixa de acrílico amarelo-, a escultura foi feita para chocar.
Mas Nagy, uma restauradora de arte, estava menos interessada na impressão geral da peça e mais em seu estado. Depois de 45 anos, "Sem Título" estava muito maltratada. A peça havia sido bastante batida, perdendo farpas de material aqui e ali.
Uma substância branca mole parecida com mofo crescia em uma área. Fora da caixa, os pelos tinham perdido a cor. Principalmente, a superfície da "carne" estava rachada e descamando.
"Esta peça estava em situação tão ruim que ninguém teve coragem de comprá-la", disse. Mas o Museu Whitney de Arte Americana teve, em 1993, e, no ano passado, contratou Nagy para trabalhar nela e em outras peças para uma retrospectiva de Thek inaugurada em outubro (até 9 de janeiro).
Como geralmente são feitas de materiais incomuns, usando técnicas inconvencionais, as obras de arte modernas podem apresentar dificuldades de conservação que não ocorrem com antigas pinturas de mestres ou esculturas italianas.
"Em toda profissão, você tem caminhos definidos para fazer as coisas", disse Nagy. "Para a arte moderna e contemporânea, não existe isso. É um voo cego."
Nagy cresceu na Hungria, onde seu pai era engenheiro mecânico, e sua mãe, uma química. "Eu basicamente faço as mesmas coisas. Mas tenho de compreender profundamente os materiais e as técnicas artísticas. Nesse sentido, tenho um lado criativo diferente."
Como estudante de arte na adolescência, ela já se especializara em escultura, aprendendo a fundir chumbo e bronze, e teve aulas de gesso.
Então começou a fazer o trabalho de restauração e, em suas palavras, "tratou praticamente de tudo: múmias de gatos egípcios, peças pré-históricas, peças de esquimós inuit, couro, artefatos chineses antigos, barroco brasileiro, barroco húngaro, barroco francês, gótico, quase tudo."
Com a escultura de Thek, ela sequer tinha certeza de que era feita. Como primeiro passo, Nagy passou quase um dia inteiro estudando silenciosamente a peça e determinou que os pelos apenas pareciam atravessar a caixa. Então, removeu lentamente o acrílico. Isso permitiu que fizesse uma radiografia da escultura, o que confirmou que seu interior era de gesso. A "carne" tinha sido acrescentada ao gesso, deixando pinceladas delicadas que quase não eram visíveis.
Mas que material Thek teria usado? Foi necessário um pequeno trabalho de detetive. "Tínhamos ouvido falar que era cera", disse Nagy.
Ela enviou algumas pequenas amostras para Narayan Khandekar, um cientista de restauração, e outros colaboradores no Museu de Arte de Harvard.
"Elas se equipararam muito bem com uma amostra de cera de abelha", disse Nagy.
Análises de outras amostras determinaram que o que antigos restauradores pensaram que fosse mofo era ácido palmítico. Com o tempo, esse ácido evaporou da cera e se cristalizou na vitrine.
Agora, Nagy podia planejar como lidar com as rachaduras e descamações na superfície.
No início, havia-se tomado a decisão de não reparar as rachaduras de maneira cosmética. Se Nagy pudesse apenas unir as bordas descamadas, as rachaduras praticamente desapareceriam.
A restauradora selecionou uma mistura de resinas capazes de consolidar a cera de abelha e penetrar no gesso. Depois de diluir a mistura com solvente, ela a aplicou gota a gota com uma seringa.
Com a quantidade certa de resina acrescentada, as bordas descamadas puderam ser alisadas e unidas. Nagy trabalhou a cera com as mãos, amolecendo-a com o calor dos dedos.
Para manter a cera no lugar, Nagy fez pequenos sacos de bolinhas de chumbo que ela podia arranjar nas bordas. Só podia trabalhar em uma rachadura de cada vez. "Foi um trabalho de pesadelo", ela disse.
Mas conseguiu.
"Nosso objetivo, na verdade, não era torná-la bela novamente", ela disse. "Achamos que é muito melhor ser honestos. O impacto original que o artista queria está aqui. Mesmo quando estava toda destruída, quando as pessoas faziam 'Uh!', ela, ainda assim, funcionava.


Texto Anterior: China estreita laços com a Europa Oriental
Próximo Texto: A arte de descobrir línguas

Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.