São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2009

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Crise econômica coloca planos de Putin em risco

Por CLIFFORD J. LEVY

MOSCOU - Nos últimos oito anos, enquanto o ex-presidente e atual premiê Vladimir Putin vem acumulando cada vez mais poder, os russos vêm reagindo frequentemente com um dar de ombros coletivo, como se dissessem: "Vá em frente, controle tudo -desde que possamos ter nossos carros novos, nossos supermercados bem estocados, nosso rublo forte e nossas férias baratas sob o sol da Turquia".
Mas agora a crise econômica mundial está pondo fim súbito ao boom econômico russo movido pelo petróleo, e o contrato implícito entre Putin e a população russa está sendo posto em dúvida. Em artigos de jornais, entre analistas políticos e até mesmo em setores do Kremlin, ouvem-se perguntas. Será que os russos vão admirar Putin tanto com o petróleo a US$ 40 o barril quanto o admiravam quando era vendido por US$ 140? E, se a economia russa tropeçar seriamente, o sistema Putin de poder pessoal intransigente pode acabar se tornando uma armadilha para ele? Poderá o sistema aliviar a insatisfação pública, e poderá Putin escapar de ser visto como culpado?
"Falamos sobre a falta de democracia na Rússia, mas gosto da fórmula que eu cunhei para descrever o país: autoritarismo com o consentimento dos governados", disse Dmitri Trenin, diretor do Centro Carnegie Moscou. "E o consentimento pode ser retirado."
"Os governantes atuais sabem que não serão derrubados por Kasparov", disse Trenin, referindo-se a Garry Kasparov, o ex-campeão de xadrez cujos desafios políticos lançados a Putin podem parecer quixotescos. "Mas, se a população trabalhadora da Rússia decidir que está farta, será o fim. Isso aconteceu com [Mikhail] Gorbatchov e quase aconteceu com [Boris] Ieltsin."
Poucos preveem a queda de Putin no futuro próximo, especialmente em vista da maneira metódica em que ele vem enfraquecendo a oposição. Muitos russos acreditam que ele os salvou da miséria dos anos 1990, e as sondagens de opinião indicam que sua popularidade ainda é muito grande.
Mas essas sondagens também mostram que sua popularidade está caindo aos poucos, em meio a indicativos muito mais sombrios. O índice de desemprego sobe, os bancos estão falindo, e o rublo vem perdendo valor tão rapidamente que os russos estão mais uma vez escondendo seu dinheiro em dólares dentro de casa.
Por enquanto, o Kremlin está gastando as centenas de bilhões de dólares em reservas que acumulou nos bons tempos e, ao mesmo tempo, fazendo o possível para suprimir as comparações com o derretimento econômico da Rússia em 1998, quando o governo liderado por Ieltsin declarou a moratória de sua dívida. Putin e seu protegido, o presidente Dmitri Medvedev, se esforçam para assegurar ao público que estão fazendo frente à situação.
Mas Putin criou um governo tão centralizado e tão resistente a críticas que não está claro se ele poderá responder facilmente à insatisfação crescente. Funcionários governamentais em todos os escalões estão desacostumados a concorrer em eleições contestadas, muito menos a tentar obter o apoio popular ou avaliar o sentimento da população.
O economista Aleksandr Auzan, membro do conselho de direção de um instituto de pesquisas criado por Medvedev, disse que, no sistema de Putin, "não há um relacionamento entre as autoridades e a população que passe pelo Parlamento, organizações sem fins lucrativos ou outras estruturas. O relacionamento com o povo se dá basicamente através da televisão. E, em situação de crise, isso não funciona mais".
Em outras palavras, se as pessoas sentirem que seu governo está ignorando suas queixas, elas podem achar que a única alternativa é sair às ruas.
Recentemente, quando líderes da oposição russa planejaram protestos contra a crise, Putin começou a atribuir a culpa aos Estados Unidos.
Ele iniciou seu discurso no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, dizendo: "Nos últimos meses, virtualmente todo discurso sobre esse tema começou com críticas aos Estados Unidos. Mas eu não farei nada disso." Então ele continuou o discurso, fazendo justamente isso.


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