São Paulo, segunda-feira, 09 de agosto de 2010

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Em vez do crescimento, a tradição

Na Itália, a tradição sufoca o crescimento

Agruras de fabricante de tecidos finos ilustram problemas que afligem a Itália e preocupam o mundo

Dave Yoder para o New York Times
O empresário têxtil Luciano Barbera na sua fábrica; especialistas temem que artesanato qualificado não sustente para sempre a economia da Itália

Por DAVID SEGAL
Biella, Itália

A lã que sai da fábrica Carlo Barbera passa por 15 etapas de um processo que o proprietário, Luciano Barbera, chama de "enobrecimento do tecido".
Qualquer atalho afetaria o "desempenho" do tecido, diz Barbera, que batizou a fábrica em homenagem ao pai, de 99 anos.
Os entendidos em moda confirmam que os carretéis de lã e caxemira produzidos ali são de alto desempenho e estão entre os melhores do mundo, vendidos a dezenas de grifes como Armani, Zegna e Ralph Lauren.
Já o desempenho financeiro dessa fábrica está longe de ser brilhante.
Como grande parte da economia italiana, a fábrica de Carlo Barbera está em dificuldades, e por razões, segundo acadêmicos, que explicam praticamente tudo o que você precisa saber sobre os males da Itália.
Desde o começo da crise econômica europeia, a Itália aparece regularmente na lista informal das nações que preocupam a Europa. As finanças italianas não são tão precárias quanto as de Grécia, Portugal ou Irlanda, porque o país é maior -a economia italiana é a sétima do mundo. Mas seus problemas são ainda mais perturbadores.
Como explicou um recente relatório da entidade bancária europeia UniCredit, a Itália é o fator determinante na crise, "a maior das economias vulneráveis, e a mais vulnerável das maiores".
Estude os números e você encontrará sintomas muito parecidos com os que afligem a Grécia. Mas cave um pouco mais fundo, e as semelhanças acabam.
Os italianos, ao contrário dos gregos, são poupadores natos, e grande parte da dívida italiana está em mãos locais. A Itália deve basicamente para seus próprios cidadãos.
Assim como a Itália, Barbera também tem dívidas -quase US$ 5,8 milhões. E as encomendas estão rareando.
Tradicionalmente operando em pequenos nichos, a família Barbera é a quem os estilistas mais luxuosos recorrem na hora de montar suas fabulosas coleções. Mas as vendas da marca Luciano Barbera e dos tecidos Carlo Barbera despencaram nos últimos anos.
No final da década de 1990, a fábrica registrou seus maiores faturamentos, em torno de US$ 15,5 milhões anuais, segundo o dono. No ano passado, vendeu metade disso.
Ao descrever as agruras do seu negócio, Barbera tende a focar numa questão: a etiqueta "Made in Italy".
Na última década, diz ele, cada vez mais estilistas vêm comprando tecido mais barato na China, na Bulgária e em outros lugares e botando um "Made in Italy" nas roupas, mesmo que essas roupas tenham sido meramente costuradas na Itália.
Até recentemente, não havia qualquer regra sobre o que "Made in Italy" realmente significava, mas isso vai mudar em outubro, quando uma nova lei entra em vigor. Ela diz que se pelo menos dois estágios de produção -há quatro no total- ocorrerem na Itália, a peça é considerada de produção italiana.
Para Barbera, isso é um ultraje. Ele diz que a lei vai destruir a marca nacional.
As etiquetas são apenas um dos muitos obstáculos entre Barbera e o lucro. Para entender por que a sua fábrica, como grande parte da Itália, está estagnada ou pior que isso, é preciso ter noções de história geopolítica e examinar a cultura empresarial altamente idiossincrática italiana.
Ela se define, em grande medida, por uma arraigada desconfiança -não só em relação ao governo, mas a qualquer um que não seja parte da família imediata- e também por uma aversão disseminada ao risco e ao crescimento.
O que mais preocupa os economistas locais não é um fiasco iminente, mas um declínio gradual e esmagador. "Não faz sentido a economia de mercado neste país", critica Carlo Altomonte, economista da Universidade Bocconi, de Milão. "O que você vê [na Itália] é um incrível medo da concorrência."
A um preço médio em torno de € 41 o metro, o tecido que sai da fábrica Carlo Barbera custa quase o dobro do que nos seus concorrentes em Biella, uma cidade ao pé dos Alpes que há séculos é conhecida como centro da indústria têxtil.
O problema é que cada vez menos estilistas estão dispostos a pagar esse ágio, e fábricas em outros países têm copiado os métodos dos Barberas, com resultados que podem não ser tão bons, mas que custam muito menos. Barbera diz não ter ressentimentos com a globalização. Na sua opinião, a Itália não pode competir quando se trata de mão de obra desqualificada, e nem deveria tentar.
"Mas eu digo que a Itália, com seus 20 milhões de trabalhadores, pode ser a butique do mundo", diz ele. Isso jamais irá acontecer, acrescenta, se os estilistas puderem comprar tecidos fora da Itália e etiquetá-los como "Made in Italy".
Os economistas acham essa preocupação com a etiqueta desnecessária. Eles veem um país com um setor de serviços dominado por corporações de ofício, o que tem reflexos em todo o mercado de trabalho.
Na prática, pessoas com um emprego em tempo integral, desde que numa empresa com mais de 18 funcionários, têm uma espécie de estabilidade, mesmo que não pertençam a sindicatos. Por isso, os administradores relutam em contratar.
Um mercado trabalhista esclerosado é uma importante razão para a economia italiana estar praticamente adormecida na última década, crescendo muito menos que seus pares europeus.
Outra coisa que não ajuda: a timidez da classe empreendedora. E um sistema político submetido a eleitores mais velhos, que desejam manter o que possuem, mesmo que isso condene a nação a anos de estagnação. E uma sociedade em que os melhores e mais brilhantes estão indo embora.
Para Francesco Giavazzi, professor de economia da Universidade Bocconi, o futuro ali não se parece com o da Grécia, e sim com o da Argentina.
"Antes da Segunda Guerra Mundial, a Argentina era rica", diz ele. Hoje, afirma, ela tem uma renda per capita comparável à da Romênia, "porque o país não cresceu. Eles levaram cem anos para perceber que estavam ficando pobres. E é isso que me preocupa na Itália. Não vamos passar fome na semana que vem.
Simplesmente vamos decair, devagar, devagar".
Então como a Itália consegue se manter? Uma resposta é o mercado negro. Quase um quarto do PIB italiano não é contabilizado. Quando você pergunta sobre a causa disso, as pessoas dizem que a maioria dos italianos tem pouco sentimento de identidade nacional, um obstáculo ao sistema de tributação federal.
A suspeita dos italianos contra instituições extrafamiliares explica por que muitos ali se importam mais em proteger o que têm do que em ampliar sua riqueza. O primeiro objetivo de muitos empreendedores italianos não é crescer, e sim manter o negócio em família.
Para uma companhia realmente se ampliar, ela precisa de capital, mas isso significa abrir mão de pelo menos parte do controle. Então, milhares de empresas do país permanecem teimosamente pequenas.
O próprio Barbera está trabalhando com um banco para conseguir pagar os credores e já reduziu sua folha de pagamentos. O melhor de tudo, diz ele, é que talvez tenha encontrado um grande grupo de novos consumidores em um lugar improvável: a China.
Enquanto isso, ele continua combatendo a lei do "Made in Italy", que espera que seja derrubada pela Comissão Europeia. Até lá, as roupas na coleção que leva seu nome receberão os seguintes dizeres na etiqueta: "Manufaturado inteiramente na Itália".


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