São Paulo, segunda-feira, 09 de agosto de 2010

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ENSAIO - HAROLD McGEE

Para obter mais sabor, apenas acrescente água

Para apurar o sabor de comidas e bebidas, eu sempre recorri aos habituais reforçadores de paladar e aroma: sal e pimenta, suco de limão, ervas e especiarias, este ou aquele condimento. Um ingrediente que nunca me ocorreu foi a água.
Mas, alguns meses atrás, o barman Tony Conigliaro me contou que coquetéis fracos podem ser mais aromáticos que misturas mais fortes. Mais recentemente, um barista me mostrou que eu podia fazer um café mais saboroso preparando-o com menos pó e mais água.
Não é segredo que o álcool nas bebidas pode atrapalhar a percepção de seus sabores. Fãs e juízes de uísques escoceses às vezes provam seu sabor cheirando-os, ou farejando o aroma que fica no copo. Os "narizes" há muito tempo sabem que diluir a bebida com aproximadamente a mesma quantidade de água reduz a queimação do álcool. E, ao mesmo tempo, de forma estranha, amplifica os aromas.
Como a água pode reduzir uma sensação e ampliar outra? As moléculas de aromas são quimicamente mais semelhantes às moléculas de álcool do que as de água. Por isso, elas tendem a se prender ao álcool e evaporam mais depressa de uma bebida quando há menos álcool com o qual se associar.
Audrey Saunders, do Pegu Club, em Nova York, me disse que, ao perceber isso, ela desenvolveu o que chama de "drinques invertidos", em que as bebidas fortes têm um papel secundário em relação ao vermute ou outros ingredientes de baixo teor alcoólico.
Seu Madeira Martinez combina uma parte de gim (40% de álcool) e duas de madeira (20%) para um drinque que começa com cerca de 30% de álcool antes de ser diluído por gelo. O objetivo é salientar os sabores do ingrediente mais fraco.
Os vinhos de alta gradação alcoólica, com mais de 14% aproximadamente, muitas vezes são descritos como "quentes" e desequilibrados. Os efeitos irritantes do álcool explicam o calor. E químicos descobriram que altos níveis de álcool acentuam o amargor de um vinho, reduzem sua aparente acidez e diminuem a liberação de moléculas aromáticas.
A diluição do vinho é praticada desde a Grécia Antiga. Eu a experimentei com um vinho zinfandel da Califórnia com 14,9% de álcool. Servi uma porção em uma taça e acrescentei um quarto de seu volume de água, para diluí-lo a 12%.
Um copo desse vinho com sua força plena tinha um sabor quente, denso, geleiado e um pouco sulfúrico, enquanto a versão diluída era mais leve, mas cheia de sabor, mais frutado do que geleiado e menos sulfúrico. Não era substituto para um verdadeiro vinho de 12%, feito de uvas colhidas com açúcar menos fermentável e um equilíbrio de sabores diferente.
Mas o vinho aguado era surpreendentemente agradável e talvez mais adequado a noites de verão.
Existe até lugar para mais água no café. Aprendi isto com James Hoffmann, vencedor em 2007 do Campeonato Mundial de Baristas. Hoffmann é o proprietário do Square Mile Coffee, uma empresa de torrefação de café em Londres.
Ele me ofereceu uma degustação de cafés, todos torrados levemente para não perder suas qualidades distintivas nos sabores intensos, mas mais genéricos de uma torrefação escura. Cada xícara era menos concentrada do que as que estou habituado, mas deliciosa e diferente.
Hoffmann explicou que os padrões da indústria para a força do café preparado varia muito, de cerca de 1,25% de sólidos extraídos do café nos EUA para algo em torno de 2% no Brasil e em casas de café especializadas.
Ele visa 1,5%, e o consegue com a ajuda de um fervedor de água de precisão e uma balança digital em que faz a mistura, despejando água em volumes exatos.
Uma colher de sopa de água, a mais ou a menos, pode modificar os sólidos extraídos em uma quantidade perceptível.
Também é importante como os sólidos do café são extraídos. Hoffmann disse que as preparações concentradas muitas vezes se tornam palatáveis usando muito café e reduzindo o tempo de filtragem ou a temperatura, para extrair apenas a melhor parte de seus materiais saborosos. O resultado é intenso, mas unidimensional.
Ao extrair uma quantidade menor de café de alta qualidade, de torrefação delicada, como fazem muitos defensores da nova onda de preparo, revela-se o pleno leque de seus sabores e aromas.
"Quando bebo café, procuro clareza, e com isso quero dizer sabores discerníveis, com personalidade, interessantes", disse Hoffmann. A leveza de suas preparações parecem salientar os diferentes aromas, que mudaram mas continuaram agradáveis mesmo quando os restos esfriaram. "Nenhum outro líquido que eu conheço evolui tanto enquanto você o bebe", ele disse.
Por isso, agora estou fazendo meu café com mais água e obtendo mais xícaras de cada pacote.


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