São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2011

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Haitianos treinam para integrar novo Exército

Por RANDAL C. ARCHIBOLD

PORTO PRÍNCIPE, Haiti - Durante horas, Robeson Arthiste arrastou-se pelo chão, marchou cadenciadamente, mergulhou atrás de arbustos fazendo mira com uma arma imaginária e fez careta enquanto uma lâmina raspava cada cabelo da sua cabeça, deixando um fio de sangue.
Encharcado de suor e sujeira após treinar com outros aspirantes ao Exército, ele disse que estava pronto para aderir às Forças Armadas haitianas -desde que elas existissem. "As coisas não são fáceis aqui no Haiti", disse Robeson, 35, desempregado como vários dos candidatos. "Precisamos de alguma coisa para fazer."
Que essa "alguma coisa" seja uma nova força militar é algo que criou alarme aqui e no exterior. As Forças Armadas foram dissolvidas em 1995 pelo então presidente Jean-Bertrand Aristide, por causa de abusos aos direitos humanos, fazendo do Haiti um dos poucos países do mundo sem Exército.
Mas agora o presidente Michel Martelly promete ressuscitá-lo como uma guarda nacional ou força defensiva civil, que complemente a fraca polícia haitiana.
A proposta dele, a um custo de US$ 95 milhões, prevê uma força inicial de 3.500 militares para patrulhar a fronteira, colaborar no controle a distúrbios civis e gerar empregos para os jovens. Há US$ 15 milhões reservados para ex-soldados que pleiteiam pensão.
Um rascunho foi apresentado em setembro a diplomatas de países doadores, que prontamente o deixaram vazar, num sinal de inquietação entre muitos que se lembram do envolvimento militar em golpes e questionam a sua prioridade em um país ainda devastado pelo terremoto de 2010.
Até mesmo parlamentares simpáticos à ideia duvidam do apoio financeiro à proposta. A Constituição prevê uma força defensiva armada, de modo que Martelly pode já ter a autoridade jurídica necessária.
Na verdade, ex-militares argumentam que tecnicamente ainda estão na ativa. Mas os parlamentares acreditam que eles controlariam algo igualmente importante: a chave do cofre.
"Nossos generais criaram o país em 1804", disse o ex-oficial Jean Rodolph Joazile, presidente do Senado, referindo-se à rebelião de escravos que levou ao fim do colonialismo francês. "Mas o Exército ao qual eu pertencia não era profissional. Agora, precisamos ver quais as nossas necessidades. É prioridade um Exército agora?"
A ONU há bastante tempo planeja substituir suas forças de paz no Haiti por uma polícia nacional reforçada. Em outubro o Conselho de Segurança reduziu o contingente máximo da força internacional de 13.331 para 10.581. Mas o terremoto atrasou o desenvolvimento da força policial, que numa população total de 10 milhões continua sendo de 10.200 homens -menos de metade do que deveria ser, segundo seu comandante, Mario Andresol.
Enquanto isso, o sentimento popular em relação aos soldados estrangeiros vem azedando. Um batalhão do Nepal é suspeito de ter iniciado uma epidemia de cólera, e uma unidade uruguaia foi acusada de abusar sexualmente de um haitiano de 18 anos.
Essa corrente de desconfiança e de animosidade ajuda a alimentar grupos de ex-militares ou aspirantes a soldados, e também pode fortalecer Martelly. Ele mesmo um ex-aluno da academia militar que fez campanha prometendo reduzir a ajuda internacional e restaurar o orgulho haitiano.
Os grupos militares estão informalmente ligados e alguns são comandados por ex-oficiais que insistem que seu objetivo é ajudar na reconstrução e na segurança.
Eles são vagos a respeito das armas. Nenhuma estava à vista durante o recente treinamento.
Os recrutas pareciam tão interessados num futuro emprego quanto na defesa do país.
"Somos gente pobre, precisamos de renda", disse Frederic Markendy, 28 anos. "O Exército é um caminho. O que faz um país? Um Exército."


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