São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2011

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INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE

ESPECIAL LUXO
SUPLEMENTO DE MODA


O gingado fashion do Brasil

Por SUZY MENKES

São Paulo As mulheres magras e estilosas que caminham pela rua Oscar Freire entram na loja da Melissa para comprar um par de sandálias ou atravessam a rua e calçam as mais novas Havaianas enfeitadas com cristais. São tão sofisticadas que essa região de São Paulo poderia ser o centro requintado de qualquer cidade do mundo, a não ser pelo clima ameno e pelas árvores floridas.
Comparada a outros países do BRIC - Rússia, com suas lojas de departamento em ruas cinza; Índia, com seus caóticos mercados de Nova Deli; ou China, com seus shoppings extensos, muitas vezes vazios -, São Paulo fervilha com o comércio glamoroso.
Além dos sapatos e bolsas da moda, a companhia de qualquer mulher inteligente que almoça no inventivo e cool restaurante Maní parece ser não apenas o celular mais moderno, mas também uma ou duas sacolas de compras. E elas trazem o nome de marcas nacionais bem estabelecidas, assim como de grifes internacionais.
Será que realmente há uma uma onda fashion varrendo a cultura de praia no Brasil? E que esse entusiasmo irreprimível por estilo no Rio de Janeiro e em São Paulo é apenas o começo de uma onda de consumo de luxo que chegará ao restante da América Latina?
Comparado à China, o Brasil recebe menos atenção das grandes marcas, embora suas lojas estejam presentes em São Paulo.
Apesar das assustadoras barreiras para conseguir o look mais desejado, incluindo altíssimos impostos sobre importações, que podem facilmente dobrar o preço em relacão ao americano ou europeu, o mercado de luxo daqui tem estado agitado desde a época em que a Daslu, uma loja flagrantemente elitista de São Paulo, cativou abastados clientes brasileiros pela primeira vez. Nos anos de 1990, a loja era um oásis de indulgência e uma meca para marcas internacionais. Mais tarde, foi investigada por irregularidades fiscais e, embora ainda exista, hoje é só uma sombra de seu passado extravagante.
A imagem dos privilegiados alisando suas penas em meio à pobreza já não parece atormentar um país com uma classe média que cresce rapidamente, embora a disparidade entre ricos e pobres ainda seja evidente. Carla Schmitzberger, diretora global do negócio sandálias da Alpargatas, diz que São Paulo concentra as pessoas mais ricas do Brasil, e que é possível ver a sociedade refletida na principal marca da empresa, a Havaianas. A ascensão das sandálias de borracha, passando de calçados utilitários ao glamour de Hollywood, é expressa nas peças ainda vendidas como sandálias de baixo custo em toda a América Latina. Mas na loja de São Paulo, assim como no resto do mundo, as versões fashion estão disponíveis por um valor até sete vezes maior.
A Havaianas certamente é uma mina de ouro. A Alpargatas diz que as vendas dos chinelos corresponderam a pouco mais da metade de sua receita líquida de 2010, de R$ 2,2 bilhões.
"Existe uma grande discrepância no Brasil. Talvez, porque as mulheres em grupos sociais mais elevados muitas vezes não trabalham, elas não associam valor ao dinheiro ganho", sugere Schmitzberger, referindo-se ao altíssimo custo do luxo no país. "Não sei o que as motiva a comprar sapatos Louboutin por um preço três vezes maior, quando podem viajar", diz. "É o peso que essas marcas carregam, e o Brasil coloca um peso grande nas aparências."
Natalie Klein, que está por trás das estilosas lojas multimarcas NK, em São Paulo e no Rio de Janeiro, diz que, em 1997, quando estreou, ainda era novo no Brasil oferecer o conceito que ela chama de cool luxury, uma moda menos ostensiva. Em sua loja, fala com os clientes sobre cultura moderna de moda e os incentiva a tentar novas experiências. Klein focou em "cidadãos do mundo, que viajam e desejam roupas sofisticadas".
Assim como qualquer varejista no Brasil, a NK ecoa uma palavra-chave: serviço. "Esse é o bem mais importante da empresa: o serviço que oferecemos", disse Natalie. "Nós nos tornamos uma consultoria. O relacionamento com o cliente é próximo, pessoal; aprendemos sobre eles, os guiamos, e eles confiam no nosso trabalho de consultoria."
O conceito de serviço cinco estrelas talvez seja o fator que mais desafiará as marcas estrangeiras com lojas no Brasil. "O serviço se tornou um fator crucial no Brasil", diz Carlos Jereissati Filho, presidente do grupo Iguatemi, que opera 13 shoppings por todo o Brasil, com vendas anuais de quase US$ 4 bilhões em 2010. "As grandes marcas devem olhar mais ao redor. Elas tendem a ter uma única estratégia para tudo - mas o Brasil é bem diferente do Oriente Médio e da Ásia", diz Jereissati. "Os preços são elevados o que cria um mercado difícil. Para vender, você precisa de serviço excelente, e é isso o que o Brasil tem a oferecer."
O sucesso do grupo Iguatemi, que comemora 45 anos desde a fundação de seu primeiro shopping, em 1966, é a prova de que as compras fazem parte da cultura no Brasil. Jereissati, filho do fundador, acredita que a experiência de compra precisa ser mais do que apenas adquirir bens. Isso justifica o ambiente sofisticado em comparação aos shoppings da China ou da Índia. "As pessoas desejam que o shopping seja um lifestyle. Querem saber onde está a livraria, o cinema, o espaço infantil, ou até mesmo o cabeleireiro." Jereissati acrescenta a essa lista alguns serviços adicionais, como de beleza, restaurantes sofisticados, entretenimento e arte.
"Em São Paulo, buscamos ser um centro cultural também. As pessoas não são só consumidoras, elas querem aprender", diz, embora o shopping Iguatemi tenha grifes globais de luxo como Burberry, Chanel, Gucci, Louis Vuitton, Missoni, Tiffany e Diane Von Furstenberg, sendo que as vendas desta estilista no Brasil são as maiores de sua marca.
O Brasil é o único país do BRIC que tem importantes estilistas e marcas nacionais, como Gloria Coelho, Carlos Miele e Osklen.
Para Jereissati, que se formou em administração no começo da década de 1990, enquanto o Brasil se abria economicamente e os varejistas podiam começar a importar, sua missão era seguir a visão de seu pai: "Criar o melhor shopping, não o maior". Agora, outro shopping de luxo do Iguatemi, chamado JK (em homenagem ao ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira), será inaugurado em abril de 2012, com marcas novas no mercado brasileiro, incluindo Dolce & Gabbana, Goyard, Lanvin e Top Shop. Jereissati diz que o novo empreendimento representará "belas contradições" do luxo moderno, "onde o fast encontra o slow, onde a arte encontra o comércio, onde o high encontra o low".
Com a economia brasileira mostrando crescimento de 7,5% em 2010 e projeções de boa expansão anual pelo resto da década, o Iguatemi planeja se concentrar em maneiras high-tech de acelerar a parte chata das compras (leia-se:pagamento). O Iguatemi abriu um shopping em Brasília no ano passado, e Jereissati acredita que o mercado de luxo irá se espalhar para outras cidades, como Belo Horizonte (MG), Campinas (SP) e Porto Alegre (RS).
Em um mundo conectado, como compras no Brasil se diferenciam das nos Estados Unidos?
Emanuel Chirico - CEO da Phillips-Van Heusen, responsável pela Tommy Hilfiger, Calvin Klein e outras marcas - contesta a opinião geral no Brasil de que as marcas americanas têm passado mais tempo olhando para o Leste e para a China, do que para o Sul, para países tão mais próximos. "Com exceção do Brasil, a América do Sul tem sido mais fácil de desenvolver do que a China", diz Chirico, acrescentando que a Calvin Klein está presente no Brasil há uma década.
No entanto, as vendas globais da Calvin Klein no varejo, em 2010, não sugerem uma ascensão da América Latina. De um total de US$ 6,7 bilhões, 53% das vendas ocorreram na América do Norte, 25% na Europa, 17% na Ásia, e apenas 5% na América do Sul e outras regiões. O volume de vendas da marca na América Latina foi de US$ 300 milhões, em grande parte no Brasil e no México.
Já o estilo cool da Tommy Hilfiger encontrou uma resposta mais forte na América Central e no Sul, que corresponderam a 10% de suas vendas de US$ 4,6 bilhões no ano passado, exatamente a mesma porcentagem da Ásia.
"O mercado brasileiro tem encargos extremamente altos sobre importações. Isso dificulta que marcas internacionais gerem negócios significativos aqui, em comparação a algumas regiões da Ásia", diz Chirico. "Mas o brasileiro está cada vez mais interessado em marcas globais. Vemos esse crescimento também nos Estados Unidos, onde os brasileiros são os clientes internacionais número 1."
Marc Puig, diretor executivo da empresa de fragrâncias Puig, sediada na Espanha, já focava em contatos da empresa com o mercado latino. Marcas como as pertencentes à Carolina Herrera, designer nascida na Venezuela e radicada em Nova York; Paco Rabanne; Antonio Banderas; e à cantora colombiana Shakira - todas ecoam pela América Latina, até mais do que as fragrâncias de haute fashion da Puig, como Prada, Nina Ricci e Valentino.
"Na Puig, priorizamos a América do Sul por motivos óbvios: existe uma afinidade cultural com o território, pois somos uma empresa espanhola", diz. "Antes que se tornasse parte do mundo emergente, a região não era um grande foco dos nossos concorrentes, e isso nos deu uma vantagem. Hoje, qualquer empresa prepara planos para a América do sul, especificamente para o Brasil."
A chegada precoce da Puig é evidente nas vendas. Na América Latina correspondem a 19,9%, contra apenas 7% na América do Norte. Seu lucro líquido total aumentou em 57%, de 2009 para 2010.
Puig descreve o Brasil como um continente, representando 50% da economia da América do Sul e operando com suas próprias regras, como no mercado de fragrâncias, onde 90% das vendas são porta a porta.
Marcas globais devem enfrentar a questão demográfica de que um terço da população da América Latina tem menos de 30 anos. Mas parece que muitos dos grandes nomes se comunicam com a geração do milênio, à medida que as lojas buscam clientes jovens.
O Cidade Jardim, um shopping de 45 mil m2 em São Paulo, projetado com bastante vegetação, nasceu em maio de 2009 focado em marcas brasileiras. Mas concentra hoje 180 lojas de marcas de luxo, da clássica Hermès à casa de caviar russo Petrossian. Até a primavera de 2012, oferecerá Cartier, Dior, Fendi, Gucci, Prada e Tod's.
É comum marcas gerarem vendas com acessórios em mercados emergentes, mas Maria Luísa Pucci, diretora de operações de varejo do Cidade Jardim, diz que, embora os acessórios sejam um fator de atração, os clientes se voltam para a moda ready-to-wear. "Há uma grande proporção de visitas convertidas em vendas durante a semana e nos finais de semana esse volume duplica."
Assim como outros pontos de venda de luxo no país, o shopping parcela pagamentos. Mas também busca ser mais do que apenas um shopping, com experiências de lifestyle que incluem cinemas, livrarias e uma academia, com parte voltada para as crianças. No último andar, os homens são atraídos pela Tools & Toys, espaço que vende 'brinquedos' como iate, helicóptero e jet ski.
Embora o Cidade Jardim receba visitantes de todo o Brasil, os shoppings de luxo ainda não se estenderam para além das três cidades: São Paulo, Rio e Brasília.
Isso deixa campo aberto para o farfetch.com, site que gerencia vendas online para 80 lojas no mundo e 25 no Brasil, incluindo as da NK. Para José Neves, diretor executivo da empresa, nascido em Portugal e com experiência em moda em Londres, as prósperas cidades do Brasil são alvos óbvios para seu negócio. "Fundei o site há três anos e vimos uma resposta incrível do público." A estreia no Brasil foi há um ano. Aqui, vende um mix de 2 mil marcas globais e de 50 designers brasileiros.
O executivo fala de "um nível impecável de serviço para o cliente brasileiro, com sistemas locais de pagamento (até parcelado); assistência e velocidade na liberação alfandegária com todos os impostos já pagos pela empresa; e facilidade de devolução. Além de uma equipe VIP de atendimento ao cliente, em seu idioma".
Mas, acima de tudo, Neves vê no Brasil um mercado distinto, que ele chama de "sofisticado e impulsivo". Observa uma classe média que começa a alcançar a parte abastada da população, e um cliente que "gasta muito". Acrescente a isso que essas pessoas poupam menos quando comparadas à China, por exemplo.
Susanne Tide-Frater, diretora de marca e estratégia da Farfetch, expressa o que talvez seja um fator crucial para entender a atitude sul-americana em relação ao luxo. Como ex-diretora criativa das lojas de departamento Harrods e Selfridges, em Londres, ela considera os clientes latino-americanos diferentes daquela atitude enfadonha notada com frequência nos clientes de países ocidentais. "Eles ficam felizes em receber itens atualizados em tempo real, mesmo que para isso precisem desembolsar 80% a mais do valor", diz Susanne. "O Brasil é fantástico, tem uma economia aquecida e um verdadeiro desejo por moda."


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