São Paulo, segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

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País das azeitonas faz uma colheita de fraudes

Por STEPHEN CASTLE

VAMOS, Creta - A criação de mitos faz parte da vida em Creta desde que se atribuiu à deusa grega Atena o crédito pela criação da primeira oliveira nessa acidentada ilha mediterrânea.
Mas até os deuses teriam dificuldade para gerar uma colheita tão grande quanto a alegada em 2007 por um grupo de plantadores. Ela só poderia ter ocorrido, brincam os vizinhos, se as oliveiras fossem plantadas em fileiras através do pelo Mediterrâneo até a ilha de Santorini, a 145 km de distância.
A enorme colheita surgiu em uma requisição para subsídios agrícolas europeus; as autoridades determinaram que o valor pedido excedia em muito o volume que os agricultores poderiam ter produzido.
Mas uma coisa perturbou mais ainda os investigadores: ela não fora apresentada pelos plantadores, mas pelos líderes de sua cooperativa, uma das milhares de associações de produtores com grande poder local e conexões políticas.
Nas áreas pobres e distantes da Europa meridional, surgem evidências de que o que aconteceu em Creta -onde a UE está exigindo a devolução de quase 375 mil euros, ou cerca de R$ 935 mil- não foi uma aberração, mas um sintoma de um problema maior.
Em um relatório sobre várias fraudes envolvendo duas cooperativas portuguesas de bananas, dois anos atrás, a agência investigadora de fraudes da UE, a Olaf, disse ter descoberto "que esse padrão de abuso de algumas organizações de produtores era um problema" em todo o continente.
As vítimas, segundo a agência, incluem muitos agricultores que deveriam ser protegidos pelas cooperativas, mas que teriam pouco a ver com os procedimentos ilícitos.
Especialistas dizem que o problema é criado pelas diferenças regionais e de organização. "Quanto mais ao sul, mais opaca tende a ser a administração da cooperativa -muitas vezes você descobre que o prefeito e o presidente da cooperativa são a mesma pessoa", disse Brian Gardner, autor de "European Agriculture: Policies, Production and Trade" (Agricultura europeia: Políticas, produção e comércio).
Na Itália, 45 pessoas foram presas em 2007, suspeitas de participar de uma fraude de frutas cítricas feita por uma cooperativa. Estimados 50 milhões de euros em subsídios foram pedidos, dos quais 20 milhões foram realmente pagos.
Os frutos deveriam ter sido retirados do mercado, espremidos, e o suco vendido na Espanha ou na França. Na verdade, o produto nunca existiu. Tudo isso contrasta com a criação das cooperativas, muitas das quais foram formadas no século 19 ou início do 20 para dar uma voz comum aos agricultores.
Segundo o órgão responsável pelos sindicatos agrícolas da Europa, as cooperativas controlam 60% da colheita, do processamento e da venda de todos os produtos agrícolas europeus. Em Creta, a cooperativa de Apokoronas e Sfakia foi investigada por causa de um agricultor, Yannis Matsamakis.
Não longe de seu pequeno terreno nos morros perto de Chania, ele encontrou cópias de uma lista de pedidos de subsídio. A oliveira média produz azeitonas suficientes para fazer de 1 a 5 litros de azeite. Mas as alegações dos plantadores de Vamos e algumas aldeias ao redor sugeriam que elas produziam cinco vezes esse volume.
Matsamakis, que cultiva 150 oliveiras, levou a lista ao promotor local. "Fiz isso porque não me pareceu certo que as pessoas tentem roubar dinheiro dessa maneira maluca", ele disse.
Ninguém foi acusado em relação às reivindicações de subsídios. Spiros Boutsadakis, presidente da cooperativa, não quis comentar, dizendo que tomou posse depois do escândalo.
A Comissão Europeia disse que, até 2012, a maioria dos subsídios ligados à produção será cortada gradativamente, eliminando as chances de fraude. "Nossos sistemas de controle estão melhorando constantemente", disse seu porta-voz para a agricultura, Michael Mann.


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