São Paulo, segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

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ARTE & ESTILO

ENSAIO

MICHAEL KIMMELMAN

Uma cidade de fundações abaladas

Áquila, Itália - As cidades levam séculos para crescer, mas podem morrer praticamente num piscar de olhos.
Após um terremoto em abril, que matou centenas de pessoas e deixou dezenas de milhares de desabrigados em Áquila e arredores, a ajuda emergencial foi extraordinária. Voluntários de toda a Itália acudiram, e operários logo erguiam dezenas de edifícios na periferia dessa cidade barroca e medieval, cerca de 110 km a nordeste de Roma.
Mas, agora, a falta de dinheiro, de vontade política, de bom senso arquitetônico e de atenção internacional ameaça terminar o que o terremoto começou. Estão em andamento esforços para salvar cerca de 110 mil monumentos e artefatos que o Ministério da Cultura estima terem sido afetados.
Mas os funcionários ministeriais presumem que levará de 10 a 15 anos para que o centro histórico da cidade volte ao normal, e quase toda a reconstrução terá de obter complicadas autorizações estatais.
Antes do terremoto, cerca de 10 mil pessoas viviam no centro da cidade, e outras 60 mil nos arredores. Daqui a uma década ou mais, quem vivia no coração de Áquila pode não estar mais por ali ou não querer mais voltar, e as moradias construídas na área industrial vizinha podem tornar a região irreconhecível.
Uma graciosa cidade medieval na qual uma outra, barroca, foi precariamente equilibrada (a precariedade explica parcialmente a extensão dos danos no terremoto), Áquila também era um centro comercial e cultural, por ser uma cidade universitária. Em poucos anos, se o centro continuar morto, ela pode se tornar pouco mais do que uma localidade turística de segundo escalão em meio a um terreno indiferenciado.
Qualquer recuperação, especialmente uma mais rápida, depende de bilhões de dólares (pelo menos US$ 16 bilhões, segundo várias estimativas), vindos principalmente do Parlamento. Ultimamente, até um pequeno imposto sobre transações, proposto pelo prefeito de Áquila e por várias autoridades culturais para ajudar na recuperação, deu em nada.
O sucesso dos esforços de emergência paradoxalmente alimentou a impressão de que Áquila não precisa mais de ajuda urgente. Como disse Michaela Santoro, assessora do prefeito Massimo Cialente, "a mensagem na mídia aqui é: 'As coisas estão indo bem' -isso está longe de ser verdade".
"Se não reconstruirmos adequadamente", disse Cialente -o que significa, do seu ponto de vista, deixar tudo exatamente como era, mas resistente a sismos-, "será uma vergonha para toda a nação". "Teremos outra Pompeia", afirmou. Eis um lamento típico na cidade. Os italianos costumam achar que precisam restaurar o passado, ou acabarão condenados a ele. É difícil pensar em alternativas.
Qual é a solução? Enquanto as bombas caiam sobre Londres em 1940, os urbanistas britânicos imaginavam a Londres do pós-guerra. A calamidade se tornou uma oportunidade para sonhar.
Em Áquila, na ausência de uma liderança forte e orientadora, de leis urbanísticas fortes ou de fóruns públicos onde os cidadãos possam considerar uma futura cidade, há apenas uma sensação de que a oportunidade está escapando. Mas a chance ainda existe -talvez adotar uma nova arquitetura junto com a antiga, como fez Áquila após o terremoto de 1703, quando a cidade se tornou o adorado lugar barroco que todos hoje querem preservar como se tivesse estado sempre ali.
Nunca uma cidade perfeita, mas real e viva, Áquila ainda poderia se tornar o modelo de um novo tipo de centro histórico na Itália do século 21. Roberta Pilolli trabalha no conservatório musical de Áquila.
A nova escola, um edifício de metal e vidro que custou US$ 8 milhões, foi construída em pouco mais de um mês e oficialmente inaugurado em dezembro. "Quero minha casa de volta exatamente como era", disse Pilolli, referindo-se à pequena moradia familiar com terraço, no centro da cidade, construída antes da Segunda Guerra.
Sobre os novos apartamentos erguidos pelo governo, que são análogos ao novo conservatório, Aldo Benedetti, professor de arquitetura em Áquila, disse: "Eles não têm contexto, nenhuma ideia de arquitetura, só a sensação de quartéis do Exército, atirados em algum lugar".
Pier Luigi Cervellati, professor de urbanismo em Veneza, disse que a recuperação deveria priorizar uma volta mais rápida dos moradores ao centro da cidade, e não a oferta de alternativas em termos de habitação, monumentos e compras. "Um centro deixado vazio por anos morre", disse ele. "Essas novas casas que estão construindo nos arredores são muito caras e não fazem sentido urbanisticamente. São como terminais em um aeroporto. Não têm alma. O risco é de que o centro se torne um não lugar."


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