São Paulo, segunda-feira, 11 de abril de 2011

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Trocando democracia por prosperidade

Classe média chinesa se dispõe a aceitar o regime autocrático

A rebelião árabe freia as perspectivas de reformas

Por ANDREW JACOBS
Pequim
Durante as quase quatro décadas desde que o presidente Richard Nixon estabeleceu laços diplomáticos com a China vermelha, os políticos americanos se agarraram à ideia de que um número crescente de empresários e trabalhadores chineses com educação superior um dia achariam a democracia irresistível. Mas um passeio por elegante shopping center da capital chinesa rapidamente derruba esse idealismo - e nos faz perguntar se os autocratas chineses encontraram um modelo flexível de regime duradouro.
No shopping Oriental Plaza, jovens profissionais usando Nike e Abercrombie & Fitch manifestam abertamente sua admiração pelo governo do Partido Comunista. "Qualquer mudança no sistema político levaria a China à desordem", disse Guo Ting, uma assistente de escritório de 30 anos. "Nossos líderes estão fazendo um bom trabalho", completou.
Trabalhadores de colarinho branco instruídos como Guo são emblemáticos de uma classe média chinesa cada vez mais autoconfiante, disposta a fazer concessões ao governo acima de suas restrições e imperfeições. Para esse grupo, os defeitos são superados pelo constante crescimento econômico de dois dígitos que o regime proporcionou, e eles passaram a apreciar a estabilidade social que vem com o governo autocrático.
Isso não quer dizer que não exista oposição ao status quo. Os agricultores pobres regularmente vão às ruas por causa de terras apreendidas. Dissidentes continuam pedindo pluralismo, embora as autoridades os estejam suprimindo cada vez mais por medo de que ocorra uma "revolução jasmim" no estilo árabe. E jovens opositores compartilham as críticas acirradas de seus líderes on-line -até que os censores deletem as publicações.
Mas, na opinião da maioria dos especialistas ocidentais, os comunistas no governo não correm o risco de caírem tão cedo. "Eles mostraram que são muito mais flexíveis que os Egitos e as Tunísias do mundo", disse Kevin O'Brien, um especialista em China da Universidade da Califórnia em Berkeley.
Essa capacidade darwiniana de evoluir cresceu da experiência do partido em 1989, quando estudantes e intelectuais ocuparam a Praça Tiananmen durante sete semanas para exigir eleições livres e o fim das restrições à imprensa e da corrupção. Nos anos que passaram desde que o governo esmagou violentamente esse protesto, o regime encontrou uma maneira de satisfazer a população o suficiente para dissuadir a maioria dos cidadãos de arriscar-se em manifestações pela democracia.
Até recentemente, a liderança chinesa também estendeu a promessa de reformas políticas incrementais, embora a recente rebelião árabe e os preparativos para uma troca de liderança no ano que vem tenham efetivamente matado essas perspectivas.
Mas a vida, sem dúvida, melhorou para a maioria dos chineses. Nas últimas duas décadas, a renda per capita urbana mais que triplicou, para US$ 3.100 ao ano; a expectativa de vida saltou mais de seis anos, para 75 em média; e as fileiras de adultos analfabetos diminuíram em 46 milhões. As cidades chinesas encarnam o otimismo nacional. "O crescimento de 10% resolve muitos problemas", disse o professor O'Brien.
Mas somente o crescimento econômico não explica a ampla aversão à mudança política entre intelectuais e profissionais. Para os 70 milhões de membros do partido e para a crescente classe empresarial, o esquema atual oferece enormes vantagens para os que seguem as regras. Os benefícios podem incluir empréstimos com baixos juros nos bancos estatais e a tolerância de uma burocracia poderosa, capaz de esmagar uma empresa que tente começar fora do clube privilegiado das gigantes estatais.
O atual arranjo promove fidelidade ao partido, mesmo que se baseie no instinto de sobrevivência e em uma boa dose de ambição. Li Fan, diretor do Instituto Mundo e China, um grupo não governamental em Pequim que estuda a reforma política, disse que a democracia eleitoral ameaçaria os benefícios de que as elites empresariais desfrutam no atual sistema. "Os que prosperaram com a reforma econômica não têm interesse em compartilhar o poder ou os frutos da prosperidade com os que estão embaixo", ele disse.
O mesmo se pode dizer da classe média de 300 milhões de membros da China, muitos dos quais apoiam a crença de que o sufrágio universal daria excesso de poder a seus irmãos pobres do campo. Acredita-se de modo geral, mesmo entre estudantes universitários idealistas, que os camponeses chineses são muito pouco instruídos para que escolham de modo inteligente os líderes da nação. Como disse o presidente chinês Jiang Zemin, em uma entrevista em 2000, "a qualidade de nossa população é baixa demais".
A demonização da democracia emana de líderes como Wu Bangguo, o principal legislador do partido, que, em março, advertiu o país de que a democracia eleitoral levaria a China "para o abismo da desordem interna". Celebridades como Jackie Chan, o ator de Hong Kong, denunciaram sociedades democráticas como Taiwan como "caóticas", dizendo que os chineses precisam de um governo autoritário. "Se não formos controlados, faremos só o que quisermos".
Embora a maioria dos chineses em ascensão não se disponha a falar a respeito, existe outro grande desincentivo contra a agitação pró-democrática: Liu Xiaobo, que pediu o fim do regime de partido único, foi preso por 11 anos acusado de subversão. Nem mesmo seu Prêmio Nobel da Paz, concedido em outubro passado, adiantou para reduzir sua pena, nem diminuiu o zelo repressor do governo: nas últimas semanas, cerca de 50 intelectuais, advogados e blogueiros, incluindo Ai Weiwei, artista proeminente que ajudou a desenhar o estádio olímpico Ninho do Pássaro em Pequim, foram detidos ou "desapareceram" como parte de campanha contra a dissidência.
"É verdade que as pessoas tiveram uma melhora significativa nos padrões de vida e estão otimistas sobre o futuro", disse Joseph Cheng, professor de ciência política na Universidade City de Hong Kong. "Mas elas também sabem que não têm nada a ganhar com manifestações."


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