São Paulo, segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

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Oliver Twist realmente precisava de mais?

Por NICHOLAS BAKALAR

"Por favor, senhor, quero um pouco mais."
O senhor era um homem gordo e saudável; mas ficou muito pálido. Olhou estupefato para o pequeno rebelde durante alguns segundos. Os assistentes ficaram paralisados de admiração; os meninos, de medo.
"O quê?!", disse o senhor finalmente, com a voz trêmula.
"Por favor, senhor", repetiu Oliver, "quero um pouco mais."
O senhor dirigiu um golpe à cabeça de Oliver com a concha, o imobilizou com o braço e gritou para o bedel.

Talvez seja uma das cenas mais conhecidas da literatura inglesa, pelos que leram "Oliver Twist", de Charles Dickens, ou viram o musical da Broadway ou peças, filmes e produções de TV baseadas no livro. Sete palavras melancólicas resumem o que sabemos sobre a dura privação: "Por favor, senhor, quero um pouco mais".
Mas e se perguntarmos friamente se Oliver realmente precisava de um pouco mais -isto é, a dieta em um orfanato vitoriano era suficiente para um menino de nove anos? Um grupo de pesquisadores britânicos -dois nutricionistas, um pediatra e um historiador- fez essa pergunta em um estudo publicado on-line em 17 dezembro no "British Medical Journal".
Eles descobriram que a dieta de Oliver causaria perda de peso radical e rápido adoecimento. O orfanato de Oliver, segundo Dickens, "tinha contrato (...) com um moinho para fornecer periodicamente pequenas quantidades de aveia e produzia três refeições por dia de um mingau fino, com uma cebola duas vezes por semana e meio pão aos domingos".
Com base nessa descrição, os pesquisadores deduziram que Oliver comeria 1,4 litro de mingau por dia. Usando uma receita de um livro de cozinha inglês do século 17, eles descobriram que uma dieta de mingau -estimada em pouco mais de 400 calorias por dia- não apenas teria sido inadequada para o crescimento de um menino, como quase certamente teria causado males nutricionais.
Mas "Oliver Twist" é ficção. Um texto de 1843, o "Tratado sobre Alimentação e Dieta com Observações sobre o Regime Dietético", recomenda seis dietas para orfanatos. Nenhuma era suntuosa, mas o estudo descobriu que todas eram provavelmente adequadas.
O mingau indicado, ao contrário do de Oliver, era substancial, cada litro contendo 75 gramas da "melhor aveia de Berwick". Isto, junto com as modestas porções de pão, batata, carne e queijo, forneceria 1.600 a 1.700 calorias por dia, comparadas às 1.800 a 2.200 hoje recomendadas para um menino de nove anos, e com um equilíbrio de proteínas, gorduras e carboidratos que ao menos se aproxima do consumo recomendado. Sem graça, sim, mas adequada.
Portanto, embora a comida estivesse longe de deliciosa, em um orfanato real Oliver provavelmente não teria precisado pedir mais. Teria comido quase o suficiente.


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