São Paulo, segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

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Música erudita vira trilha sonora de videogames

Por VIVIEN SCHWEITZER

No videogame BioShock, uma turbulenta música ao estilo de Rachmaninoff soa enquanto um compositor mau chamado Cohen grita "Presto, presto", antes de incinerar um infeliz pianista e seu instrumento. Em Battlefield: Bad Company, o jogador ouve um rústico quinteto de cordas, com aromas de Bartók. Em Alone in the Dark: Inferno, o timbre evocativo do coro feminino Mistério das Vozes Búlgaras reforça o clima de suspense quando o herói luta pela sobrevivência no Central Park.
Essas são algumas das trilhas recentemente compostas e interpretadas por músicos de formação erudita, que encontram na indústria dos games um novo veículo para o seu talento. Há não muito tempo, isso era "algo descartável para compositores que não encontravam trabalho em outro lugar", disse Steve Schnur, executivo mundial de música e marketing da gigante do software Electronic Arts.
Ele contou que os zumbidos e bips dos primeiros games eram criados às pressas, já no final do processo de desenvolvimento. Agora, a trilha musical -seja rock, rap ou clássico- está se tornando parte do produto final, frequentemente com uma produção luxuosa e uma integração harmoniosa à trama e à ação do jogo. Em seus melhores momentos, disse Schnur, a música "é a razão para a resposta emocional que os jogos não tinham há dez ou 20 anos".
O cuidado atualmente dedicado às trilhas clássicas é evidente não só na qualidade de muitas composições, mas também na contratação de artistas de primeira linha para interpretá-las. A música orquestral de Mikael Karlsson para Battlefield é tocada por uma orquestra de 70 integrantes (entre os quais membros do Alarm Will Sound e do International Contemporary Ensemble), sob a regência de Alan Pierson. Wolfram Koessel, do American String Quartet, faz os melancólicos solos de violoncelo.
Martin Chalifour, regente da Filarmônica de Los Angeles, interpreta o estranho solo-concerto em "Welcome to Rapture", parte da trilha de Garry Schyman para BioShock. Em Prince of Persia, Stuart Chatwood toca alaúde e outros instrumentos para dar um clima exótico à envolvente partitura orquestral de Inon Zur.
Esse nicho também atraiu importantes compositores de trilhas para cinema, como Danny Elfman, Howard Shore e Hans Zimmer. Michael Giacchino começou compondo para games (inclusive a série Medal of Honor) antes de enveredar pelo cinema e pela TV. E cada vez mais compositores podem seguir esse caminho, agora que escolas como a Berklee, de Boston, iniciaram aulas de composição para games.
Para compositores e músicos, acostumados com as dificuldades em encontrar trabalho constante, há um bom dinheiro a ser ganho num setor que, segundo o instituto de pesquisas NPD, faturou US$ 21,6 bilhões em vendas no varejo nos EUA no período de 12 meses até novembro de 2008.
Tommy Tallarico, fundador da entidade de classe Game Audio Network Guild, disse que os compositores costumam receber entre US$ 1.000 e US$ 2.000 por minuto de música. Como um jogo comum costuma exigir 1 a 2 horas de trilha, o compositor pode ganhar entre US$ 60 mil e US$ 240 mil.
A crescente sutileza das trilhas reflete "a maturidade do setor de games, que está ficando narrativamente melhor" e incluindo dilemas morais nas tramas dos jogos, segundo Sean Decker, gerente-geral da Dice, divisão da Electronic Arts que criou Battlefield.
Olivier Deriviere, autor da trilha de Alone in the Dark, disse que um fator complicador é que a música costuma ser criada separadamente do game, o que dificulta o alinhamento entre o som e o enredo. O lado bom é que os compositores têm mais tempo para trabalhar do que no cinema.
Alguns sistemas, como o Xbox 360, permitem que o usuário crie trilhas personalizadas, com mp3s. Mas muitos jogadores gostam da atenção que as empresas de software dedicam à música. Numa loja da rede Virgin em Manhattan, Atticus Wakefield, 10, disse que "a música e o som realmente dão mais profundidade ao jogo e o deixam bem melhor de jogar".
Os compositores podem atrair muito mais atenção com as trilhas dos games do que com obras para cinema ou concerto e ainda trazem novos ouvintes à música clássica. Os intérpretes também percebem o potencial: o pianista Lang Lang, por exemplo, sugeriu que gostaria de criar um jogo como Guitar Hero.
Tallarico, que considera os games "o rádio do século 21", contou ter criado a Video Games Live, série multimídia de concertos reunindo a música de games populares, "para provar ao mundo como os videogames se tornaram culturalmente importantes". Ele próprio se interessou pela composição, ainda criança, depois de ouvir a trilha de John Williams para "Guerra nas Estrelas", o que o levou para a música sinfônica de Mozart e Beethoven. "Se Beethoven estivesse vivo hoje, seria um compositor para videogames", disse.


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