São Paulo, segunda-feira, 12 de abril de 2010

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Teatro quer expulsar 'fantasma' do apartheid

Por CELIA W. DUGGER

CIDADE DO CABO - O renomado dramaturgo sul-africano Athol Fugard andava para cima e para baixo no palco de compensado, esfregando a cabeça e ouvindo intensamente dois atores que ensaiavam seus diálogos. Os ensaios de sua nova peça, "The Train Driver", tinham começado.
Com stents em suas artérias e sua audição enfraquecida, Fugard, 77, está de volta, contando histórias moldadas pela atormentada história racial sul-africana. Mas, pela primeira vez, um drama deste grande nome da dramaturgia da África do Sul fez sua estreia no Fugard, um teatro novo cujo nome é uma homenagem ao próprio dramaturgo.
"Quero que você faça algo para mim", disse Fugard a Sean Taylor, que faz o papel de um condutor de trem branco que procura o túmulo de uma mulher negra que se colocou na trilha do trem, diretamente à sua frente, com um bebê amarrado às costas, esperando a morte. Taylor tinha rido como demente na terceira cena da peça.
Fugard, que estava dirigindo uma peça pela primeira vez em dez anos, lhe disse: "Nada é engraçado. Não há brincadeiras. Isto é tudo real".
O teatro Fugard faz parte dos muitos esforços para ajudar a África do Sul a superar os danos causados por seu passado colonial e do apartheid. Os criadores do teatro esperam que o poder transfigurador da arte ajude a transformar a Cidade do Cabo, linda mas ainda altamente segregada racialmente.
Ocupando um espaço que já foi o salão de uma velha igreja gótica, o teatro Fugard agora é a sede permanente da Isango Portobello, uma companhia de atores e cantores negros, em sua maioria do subúrbio negro vizinho de Khayelitsha. A companhia tem recebido elogios da crítica na Europa.
A esperança é que o teatro Fugard e sua companhia residente atraiam pessoas de todas as raças, formando um ponto de encontro. O produtor de cinema e teatro sul-africano Eric Abraham, que financiou tanto o teatro quanto a Isango Portobello, disse acreditar que os talentos da trupe de atores atuarão como "antídoto ao preconceito".
"O objetivo é promover a esperança e as aspirações. Isso é algo tão necessário aqui quanto o fornecimento de água, luz e habitação", disse Abraham. O teatro, situado à margem do District Six, área que guarda especial ressonância para a Cidade do Cabo, foi inaugurado em fevereiro.
Em 1966, dentro do esquema do apartheid imposto pelo governo da minoria branca, o distrito foi designado como sendo apenas para brancos, e seus moradores, em sua maioria de raça mista (como eram classificados), foram forçados a deixar suas casas. Estas foram demolidas.
Na inauguração do teatro, o vice-presidente e vários ministros do governo sul-africano assistiram à Isango Portobello apresentar "A Flauta Mágica - Impempe Yomlingo", com a partitura de Mozart transposta para uma orquestra de marimbas.
"Garanto que cada espectador desta casa vai se sentar no colo de um fantasma", disse à plateia Athol Fugard, aludindo aos 60 mil moradores do District Six que foram expulsos de suas residências durante o apartheid.
Os organizadores do teatro reconhecem que ainda têm um longo caminho a percorrer para conseguir uma plateia multirracial. Em uma noite recente, praticamente todos os que assistiram a uma encenação de "A Flauta Mágica" eram brancos.
"Isto parece a elite liberal da Cidade do Cabo", disso o médico britânico Jacky Davis, que estava visitando a cidade como turista.
Athol Fugard disse que a nova e democrática África do Sul precisa das artes teatrais "com tanta urgência quanto a velha África do Sul precisou daqueles primeiros e poucos atos de desafio ousados, às vezes suicidas, no teatro".


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