São Paulo, segunda-feira, 12 de outubro de 2009

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Humanos invasivos

Ruth Fremson/The New York Times
Migrantes do continente exercem pressão sobre habitantes originais das ilhas Galápagos, como esses atobás de patas azuis

Por SIMON ROMERO
Puerto Ayora, Ilhas Galápagos

Os montes de lixo fedorento na periferia dessa comunidade, a 960 km da costa equatoriana do Pacífico, são a prova de que uma espécie está prosperando no frágil arquipélago cuja vida selvagem ímpar inspirou a teoria da evolução de Darwin: o ser humano.
Passarinhos descendentes das aves que foram cruciais para a tese de Darwin adejam em torno do lixão, que atende à crescente cidade de equatorianos transferidos para lá para trabalhar no turismo.
A expansão da população humana em Galápagos, que dobrou na última década, até atingir cerca de 30 mil pessoas, deixa os ambientalistas nervosos. Eles apontam evidências de que o crescimento já estaria afetando o ecossistema que permitiu que os habitantes mais famosos das ilhas -inclusive as tartarugas gigantes e os atobás de patas coloridas- evoluíssem no isolamento, antes da colonização iniciada há mais de um século.
O crescimento gera uma tamanha ameaça ao meio ambiente a ponto de o governo, que ainda saúda a expansão do setor turístico, ter expulsado mais de mil equatorianos pobres no último ano e estar no processo de expulsar outros.
As autoridades esperam preservar as maravilhas naturais que impulsionam o turismo, mas as medidas estão alimentando uma revolta entre migrantes desqualificados que se sentem punidos enquanto o país continua usufruindo dos milhões de dólares que os turistas trazem para o Equador, um dos países mais pobres da América do Sul.
"Estão nos dizendo que uma tartaruga para um estrangeiro rico fotografar vale mais do que um cidadão equatoriano", disse María Mariana de Reina Bustos, 54, migrante de Ambato, no vale andino do centro do Equador.
Recentemente, sua filha Olga, 22, foi detida pela polícia perto da favela de La Cascada e colocada em um avião para o continente.
Os primeiros colonos chegaram às ilhas para trabalhar na pesca, na pecuária e na agricultura. Hoje, a maioria dos que chegam é atraída por outras riquezas: os salários relativamente altos que podem receber como taxistas, camareiras de hotel ou funcionários da crescente burocracia local.
Durante décadas, os líderes do país pouco fizeram para evitar que as pessoas fossem a Galápagos, em parte para construir o setor turístico e em seguida para garantir que o governo tivesse uma presença entre os pioneiros. Havia algo como uma limitação natural ao crescimento: o país havia reservado 97% do arquipélago como parque.
Mas, com o crescimento do turismo e da migração na última década, começou a aumentar a pressão de cientistas e ambientalistas por medidas de restrição à população das ilhas.
Em 2007, a ONU colocou Galápagos na sua lista de patrimônios ameaçados. Cientistas dali disseram que as pessoas já provocaram um dano significativo, citando os vazamentos de combustível, a caça a tartarugas gigantes e a tubarões e a introdução de espécies invasivas que ameaçam animais nativos.
"Com as pessoas vêm os gatos, e com os gatos vêm ameaças a outros animais que não são encontrados em nenhum outro lugar do mundo", disse Fernando Ortiz, coordenador do programa de Galápagos da Conservação Internacional.
Tecnicamente, a residência é concedida a um número limitado de pessoas, inclusive aos nascidos ali e seus cônjuges, a pessoas que chegaram antes de 1998 e àqueles que têm autorizações temporárias de trabalho. A polícia, conhecida pela gíria "migra", por seu trabalho de localizar migrantes irregulares, faz batidas em todas as ilhas. Mas o mesmo governo que supervisiona as expulsões também oferece subsídios para as pessoas que vivem no arquipélago.
Um desses subsídios permite que a gasolina custe o mesmo ali que no continente. Outro permite que os moradores voem entre as ilhas ou para Quito por uma fração do preço pago por estrangeiros. Há um mercado negro de autorizações para residência, em que migrantes se casam com moradores estabelecidos, a fim de obter as cobiçadas carteiras de identidade.
Resultado: as ruas de Puerto Ayora são convidativas, com suas discotecas, barracas de comida e lojas de suvenires. Na periferia, um outdoor com a imagem de Leopoldo Bucheli, o prefeito desenvolvimentista, celebra um projeto chamado El Mirador, que está limpando uma área nos arredores da cidade para construir mil novas casas.
"Tudo o que queremos, como as pessoas de qualquer lugar deste planeta, é uma existência digna", disse Yonny Mantuano, 36, que comprou um lote para construir uma casa em El Mirador. Ele dirige o sindicato local de professores, cujos 600 membros se irritaram com uma das novas tentativas do governo de limitar subsídios: uma medida neste ano para cortar um bônus relativo ao custo de vida.
A visão algo casual do governo sobre a vida em Galápagos é ecoada pelas pessoas. Margarita Masaquiza, 45, indígena do altiplano equatoriano, que chegou ao arquipélago aos 14 anos, abomina as expulsões do governo. "Construímos esta Província com nossas próprias mãos, então, sim, nos dói ver nossos compatriotas deportados como animais", disse Masaquiza. "Afinal, somos equatorianos nativos, como podemos ser ilegais no nosso próprio país?"
Mas, quando questionada sobre o impacto dos novos migrantes sobre seus quatro filhos e quatro netos, ela adotou um tom diferente. "Precisamos preservar as oportunidades para as nossas famílias", disse.


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