São Paulo, segunda-feira, 13 de julho de 2009

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Cansados da guerra, afegãos pagam para sair do país

Por ADAM B. ELLICK

CABUL, Afeganistão - Durante décadas de guerra, Abdul Ahad nunca pensou em deixar o Afeganistão. Mas seu país começou a se deteriorar rapidamente em 2007, e sua vida também. Ele foi demitido do emprego de motorista em tempo integral e obrigado a aceitar o único trabalho que conseguiu: dirigir uma vez por semana pelo território sob controle do Taleban.
Nos últimos oito meses, um atentado suicida e um tiroteio quase tiraram sua vida. Agora, Ahad, 26, está farto. Ele começou a analisar potenciais contrabandistas para levá-lo à Europa, explicou, com a intenção de unir-se à onda de jovens afegãos que abandonam seu país frustrados pela guerra interminável, a falta de perspectivas e o lento ritmo das mudanças.
Enquanto diplomatas estrangeiros mantêm esperanças de que as eleições presidenciais em agosto e as novas mobilizações de tropas do governo Obama possam mudar as coisas, os afegãos estão votando com os pés.
No ano passado, cerca de 18 mil afegãos pediram asilo na Europa, quase o dobro do total de 2007. Foi o maior aumento para qualquer grande país em 2008, segundo a ONU. Em comparação, os pedidos dos iraquianos caíram 10%.
"As pessoas não conseguem empregos aqui", disse Ahad. "E se você for para um lugar onde há trabalho, será morto em uma semana. Estou desesperado", ele acrescentou. "Não é um grande sonho. Apenas quero terminar os estudos e viver normalmente."
Desejando apostar nos riscos, jovens como ele estão entregando suas poupanças -até US$ 25 mil em alguns casos- e suas vidas a contrabandistas, que arranjam rotas pelo mar até a Austrália ou por terra para a Europa, onde os afegãos tentam pedir asilo. Encontrar um contrabandista não é difícil. Em entrevistas na capital, Cabul, vários contrabandistas, todos os quais pediram anonimato porque seu trabalho é ilegal, estimaram que os negócios aumentaram 60% em relação ao ano passado. Um deles disse que está rejeitando clientes pela primeira vez em 11 anos de carreira.
Apenas alguns anos atrás, havia muito otimismo em Cabul, quando a invasão liderada pelos EUA parecia ter expulsado o Taleban, atraindo mais de 3,5 milhões de refugiados afegãos de volta ao país em meio a uma série de promissores projetos de reconstrução.
Mas, desde 2006, ondas de afegãos fugiram da ressurgência do Taleban, da corrupção endêmica e da incapacidade do governo de fornecer serviços básicos como eletricidade.
Eles estão aparecendo em águas perigosas perto da Austrália, em prisões turcas, na estação ferroviária principal de Roma e em Le Petit Kabul, ou Pequena Cabul, em Paris.
Em Calais, França, um complexo de detenção de imigrantes chamado Selva mantém cerca de 600 afegãos em condições que são "muito, muito ruins comparadas com dois anos atrás", disse Jean-Philippe Chauzy, da Organização Internacional para Migração, agência intergovernamental baseada em Genebra, que visitou o campo em maio. As autoridades francesas prometeram fechar o centro até o fim deste ano.
Autoridades de imigração e deportados recentes disseram que muitos outros afegãos no exterior simplesmente desaparecem, são sexualmente explorados por motoristas de caminhão ou obrigados a trabalhar. Os pedidos de asilo também são negados muitas vezes.
"É a morte ou o destino", disse Shuja Halimi, que declarou não se arrepender ao ser deportado do Reino Unido de volta ao Afeganistão, depois de uma viagem de dois meses atravessando 12 países, incluindo a Bulgária, onde ele diz que escapou de tiros na fronteira.
Segundo Halimi, as condições de vida na Europa são terríveis, "mas não tão ruins quanto no Afeganistão". Agora em Cabul, Halimi, que tem três filhos, ainda não encontrou emprego. "Temos um presidente chamado Hamid Karzai que não fez nada pela população afegã", ele disse, repetindo o sentimento de muitos jovens afegãos.
Há poucos dias, no aeroporto de Cabul, 30 jovens deportados do Reino Unido voltaram para casa pela primeira vez em anos. Equipado apenas com uma sacola de lona xadrez, Akbar Khan, 20, disse que vai tentar de novo: "Vamos tentar voltar em cerca de um mês, depois de economizar um pouco".
A rota mais comum para os afegãos é por terra -atravessando Irã, Turquia e Grécia- e custa cerca de US$ 16 mil, segundo contrabandistas. Eles disseram que por US$ 25 mil podem garantir uma viagem de avião facilitada por documentos falsos ou propinas pagas às autoridades de imigração.
"Eu amo este país, mas ele está indo totalmente na direção errada", disse um rapaz de 26 anos com lágrimas nos olhos. "Quero viver como uma pessoa normal: acordar, ir para o trabalho, ficar com minha esposa -ou namorada, de preferência."

Colaborou Abdul Waheed Wafa



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