São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

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LENTE

Sobre soberba, monumentos e homens

Estátuas, monumentos, memoriais de guerra e instalações de arte são erguidas em tempos de otimismo. Quanto tempo duram é algo que não cabe a seus criadores.
Em Bagdá, Saddam Hussein construiu o Arco da Vitória, duas enormes espadas atravessadas, para celebrar a memória da guerra entre Irã e Iraque e ser um monumento em louvor de seu reinado.
Diferentemente de muitos dos monumentos a Hussein, o Arco da Vitória continua em pé. Surpreendentemente, está passando por uma renovação.
O monumento evoca reações ambíguas entre os iraquianos. "É Nuremberg e Las Vegas em um só", escreveu o autor e arquiteto iraquiano Kanan Makiya em "The Monument: Art, Vulgarity and Responsibility in Iraq" (o monumento: arte, vulgaridade e responsabilidade no Iraque). Radicado em Massachusetts, Makiya ficou surpreso, mas satisfeito ao ouvir que o Arco da Vitória vai voltar a brilhar. Ele escreveu em um e-mail: "É um símbolo rematado da experiência baathista. É vulgar, mas vulgar de maneira indizivelmente horrível, terrível -logo, única".
O governo defende a restauração, que faz parte de um projeto de US$ 194 milhões de embelezamento da Zona Verde antes de uma cúpula de líderes da Liga Árabe prevista para março.
"Somos um povo civilizado", disse ao jornal "New York Times" Ali al-Mousawi, porta-voz do primeiro-ministro Nuri Kamal al-Maliki, "e este monumento faz parte das memórias deste país."
Pode também acontecer de um povo civilizado considerar determinadas memórias inconvenientes. Em uma noite em junho, as autoridades levaram embora uma estátua de Stalin da praça central de Gori, tirando-a do pedestal onde ficou por 48 anos.
A remoção da estátua foi um alívio para a liderança da Geórgia. Mas muitos cidadãos de Gori -cuja fama durante a era soviética deveu-se à casa de tijolinhos onde Josef Stalin nasceu- tiveram reação diferente.
"Elas (as autoridades) tiveram medo da reação das pessoas. Foi, por isso, que tiraram a estátua durante a noite", disse Gocha Suriashvili, 62, ao "Times".
Mas o estudante de medicina Mikheil Jeriashvili, 19, disse que a retirada da estátua o deixou feliz. "Eu preferiria que Stalin tivesse nascido em outra cidade." Alguns lugares distantes e pouco notados se afirmam de maneiras mais modestas.
Quando um desvio de uma rodovia levou o tráfego rodoviário a passar ao largo da cidadezinha de Hooper, no Nebraska, com 827 habitantes, os residentes decidiram reagir. "Agora que a rodovia não passa mais no meio da cidade, perdemos nossa identidade", disse ao "Times" David Hingst, 58, gerente geral de uma empresa de sementes.
Eles optaram por colocar ao lado da nova saída da rodovia uma placa de oito metros de altura com a palavra "Hooper" escrita em letras de meio metro de altura -como se uma declaração de quem são pudesse de alguma maneira retardar o declínio da cidade. "Temos dificuldade em manter os jovens aqui", explicou Joel Hargens, 59, cidadão de Hooper que gerencia o banco da cidade. "Isto é a América rural."
No litoral, a cerca de 2.500 quilômetros a oeste de Hooper, se encontra outro exemplo de criação cultural americana, esta um conjunto de torres, catedrais, fontes e navios feitos de canos, garrafas quebradas, conchas marinhas e cerâmicas e que se ergue a 30 metros de altura. Conhecida como Watts Towers, a escultura foi criada por Simon Rodia, um imigrante italiano excêntrico que trabalhou por 33 anos em seu quintal na primeira metade do século 20 para produzir a obra.
Agora, as torres precisam de trabalhos de restauração no valor aproximado de US$ 5 milhões, mas enfrentam futuro incerto devido a cortes orçamentários.
O futuro deve ter parecido garantido na época em que Rodia, finalmente, concluiu a construção de sua obra-prima folk, do mesmo modo que Saddam Hussein deve ter acreditado em seu poder de ícone, que expressou nos muitos monumentos que ergueu pelo Iraque afora.
TOM BRADY

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