São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

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Cubano se adapta à iniciativa privada

Irmãos Castro pedem que comércio seja ajudado

Por VICTORIA BURNETT

BAUTA, Cuba - Marisela Álvarez passa boa parte do dia debruçada sobre uma chama elétrica única em sua pequena cozinha ao ar livre. Seus joelhos doem, e seu cabelo ruivo cheira a óleo de cozinha. Mas, há anos, ela não se sente tão sortuda.
"Me sinto útil; sou independente", disse Álvarez, que, em novembro, abriu um café pequeno em sua casa nesta cidadezinha pouco atraente a 40 quilômetros da capital cubana, Havana. "Quando você se senta ao final do dia e vê quanto ganhou, fica satisfeita."
Ansiosamente, mas com algumas reservas, os cubanos estão aceitando a oferta do governo de permitir que trabalhem por conta própria, vendendo café em frente de suas casas, alugando casas, fabricando móveis de vime e vendendo desde DVDs pirateados até vinho de fabricação caseira. Numa iniciativa que pode representar a maior reforma da economia estatal desde que Fidel Castro nacionalizou todas as empresas, em 1968, o governo de Cuba anunciou que vai demitir meio milhão dos cerca de 4,3 milhões de trabalhadores públicos até março e emitir milhares de novas licenças para interessados em ingressar no setor privado cubano.
No final de 2010, o governo já tinha concedido 75 mil licenças novas, revelou o "Granma", o jornal oficial do Partido Comunista.
Ainda está longe de ser o número necessário para criar alternativas para todos os funcionários demitidos, e não há garantias de que o mercado vá comportar centenas de milhares de autônomos.
Mas as ruas antes destituídas de comércio em cidades como esta e em Havana estão pouco a pouco ganhando vida, com pessoas pendurando placas pintadas e toldos coloridos diante de suas casas e montando barracas à beira de estradas. Um engenheiro eletrônico que, durante anos trabalhou clandestinamente, agora publica folhetos divulgando que conserta qualquer eletrodoméstico imaginável. Na lojinha montada em seu quintal, uma praticante de "santería" (uma religião sincrética com semelhanças com o candomblé) vende colares de contas, sardinhas moídas e milho assado para uso em cerimônias religiosas.
Cerca de 85% de todos os cubanos empregados trabalham para o Estado, recebendo cerca de US$ 20 por mês em troca de livre acesso a serviços como saúde e educação, além de uma ração de produtos subsidiados.
Fidel Castro autorizou o início de um setor privado no começo da década de 1990, após a queda da União Soviética. Ao longo dos anos, o governo deixou de emitir novas licenças e sufocou empresas com impostos e proibições.
Raul Castro, que assumiu o lugar de seu irmão à frente do governo em 2006, diz que as coisas mudaram. Em discurso feito em dezembro, ele exortou o governo e o Partido Comunista para que ajudem o setor privado, e não "o demonizem".
Muitos ainda estão céticos. Juan Carlos Montes montou um restaurante particular no pátio de sua casa, em Havana, que funcionou por cinco anos, mas acabou se cansando da fiscalização repressiva e o fechou em 2000.
Montes jura que não abrirá outro restaurante enquanto não existir mercado atacadista. "As pessoas não conseguem comprar o que precisam para fazer o negócio funcionar", explicou. "O marceneiro não tem madeira. O eletricista não tem fios elétricos, o encanador não encontra canos."
O governo diz que vai montar um mercado atacadista -embora isso ainda possa demorar anos- e, em 2011, vai importar US$ 130 milhões em bens e equipamentos para o setor privado. Também pretende lançar microcrédito e cooperativas de empresas e autorizar os cubanos a comprar e vender carros e imóveis. Por enquanto, carpinteiros como Pedro José Chávez só são autorizados a fazer consertos, e não fabricar coisas, porque não existe mercado legal de madeira. "É um absurdo que o governo lhe dê uma licença para trabalhar, mas não dê acesso a materiais", reclamou Chávez. "Cuba está caindo aos pedaços", acrescentou, apontando para prédios próximos em mau estado de conservação. "Poderíamos ajudar a reconstruir o país."
A lista de 178 profissões hoje abertas aos cubanos autônomos, entre elas estão "consertador de guarda-chuvas" e "consertador de bases de camas", é específica e parece ter por objetivo principal legalizar e taxar pessoas que trabalham no mercado negro.
"Ainda há muito mais a ser feito para que o Estado deixe de atrapalhar, e as pessoas possam produzir e empregar", opinou Ted Henken, do Baruch College, em Nova York, e especialista no setor privado cubano.
O governo também terá que tratar da questão dos direitos civis e políticos que vão emergir, acompanhando o crescimento de uma classe comercial. "O caos e as exigências de uma economia privada não têm fim", disse Henken.
Enquanto isso, Álvarez e Barroso estão gostando da vida no mercado quase livre. "Temos o hábito de fazer as coisas com pobreza em Cuba, mas a concorrência vai corrigir isso", disse Barroso.


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