São Paulo, segunda-feira, 14 de setembro de 2009

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Egito abraça passado judeu com discrição

Por MICHAEL SLACKMAN

CAIRO — Os egípcios geralmente não fazem qualquer distinção entre judeus e israelenses. Os israelenses são considerados o inimigo, por isso os judeus também são.
Khalid Badr, 40, é bem típico nesse sentido. “Nós os odiamos por tudo o que nos fizeram”, disse ele, que vende lanches em um quiosque enquanto escuta o Corão no rádio. Mas ele teve de enfrentar a realidade de que seu bairro já foi cheio de judeus —judeus egípcios.
Não longe de sua loja, seguindo outro beco estreito e sinuoso que já foi chamado de Beco dos Judeus, o governo está reformando uma sinagoga abandonada e dilapidada.
Na verdade, o governo está publicamente abraçando seu passado judeu.
“Se não restaurarmos as sinagogas, perderemos uma parte de nossa história”, disse Zahi Hawass, secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades, que no passado escreveu negativamente sobre os judeus por causa do conflito entre israelenses e palestinos.
O Egito tem trabalhado silenciosamente há vários anos para restaurar suas sinagogas. Mas, por causa da raiva contra Israel e do antissemitismo generalizado, o governo inicialmente insistiu em que suas atividades ficassem em segredo.
“Eles nos disseram: ‘Estamos fazendo essas coisas, mas vocês não podem falar para ninguém sobre isso’”, disse o rabino Andrew Baker, diretor de Assuntos Internacionais Judaicos para o Comitê Judeu Americano. “Isso foi uma grande inversão do que experimentamos no Leste Europeu, onde os governos não fazem muito, mas querem apresentar a imagem de que estão fazendo coisas. No Egito, eles estavam fazendo, mas não quiseram contar para ninguém.”
Por que a súbita afinidade pelo passado judeu do Egito? Política. Não a política das ruas, mas a política global.
O ministro da Cultura egípcio, Farouk Hosny, quer ser o próximo diretor-geral da Unesco, a organização cultural, científica e educacional da ONU. No contexto dessa sociedade islâmica conservadora, Hosny, 71, é bastante liberal e irritou os islâmicos quando criticou o hábito comum entre as mulheres de usar lenços na cabeça, por exemplo.
Mas, para acalmar o eleitorado local, em 2008 ele disse que queimaria qualquer livro israelense encontrado na maior biblioteca do país, em Alexandria. Depois pediu desculpas, mas não adiantou muito para pôr fim aos ataques a sua candidatura para liderar uma organização dedicada a promover a diversidade cultural. Por isso, seus subordinados aceleraram o processo de restauração.
Os moradores mais antigos do bairro, como El Sayyid Yousef, 62, tinham uma perspectiva moldada pela história. Yousef disse que se lembrava de ter vizinhos judeus, mas nunca pensou neles como judeus. Eram apenas egípcios, como todo mundo, disse.
“Depois de 1967, começamos a compreender as sensibilidades”, explicou. “Por causa do que aconteceu na guerra, você caminhava pela rua e, quando via um judeu, tinha vontade de matá-lo.”
Não está claro se os projetos vão ajudar a candidatura de Hosny para o cargo na Unesco. Eles poderão fazer os residentes atacarem o governo por gastar dinheiro nisso. Mesmo assim, o esforço já inspirou Yousef e seu filho Sameh, 27, e talvez outros, a enxergar além do conflito árabe-israelense.
“Como muçulmanos ou cristãos, talvez não seja nossa [a sinagoga em reforma], mas, como egípcios, é nossa”, disse Sameh. “Como edifício, é nossa herança.”


Colaborou Mona El Naggar


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