São Paulo, segunda-feira, 15 de junho de 2009

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SHEHADE SHELALDEH

Harmonia em meio ao caos da Cisjordânia

"Meu sonho é ser um famoso reparador de instrumentos"

Por DANIEL J. WAKIN

RAMALLAH, Cisjordânia - O rapaz era habilidoso com as ferramentas. Sobrinho de carpinteiro, gostava de consertar cadeiras, janelas e fechaduras. E às vezes ficava à toa na esquina.
Ramzi Abureduan o notou. Como o Flautista de Hamelin, do conto dos irmãos Grimm, Abureduan, violista formado na França e criado em um campo de refugiados palestinos, tentava conduzir crianças da Cisjordânia para o mundo da música -mais especificamente, para um centro musical que ele estava criando em um bairro antigo da cidade.
Mas ele tinha outras ideias para o jovem. O instituto havia recebido doações de dezenas de instrumentos de cordas da Europa, muitos deles com rachaduras, cavaletes danificados e volutas destruídas. O jovem, Shehade Shelaldeh, se tornaria o reparador de violinos.
E assim, dois anos depois, após absorver as lições nas visitas de "luthiers" voluntários e em um estágio de três meses na Itália, Shelaldeh, 18, tem sua própria oficina de consertos. Fica numa antiga oficina mecânica, no mesmo quarteirão do instituto, que se chama Al Kamandjati (o violinista).
Ele aprendeu a reparar os instrumentos e a trocar a crina dos arcos. Já fabricou dois violinos, um deles com uma bandeirinha palestina no estandarte, a parte onde as cordas se fixam.
Num certo dia, Shelaldeh se empenhava em substituir um cavalete ruim e desencaixado num violino chinês. "Meu sonho é ser um famoso reparador de instrumentos", disse.
Num lugar tão familiarizado com os sons de tiros, tanques e explosões, "o Kamandjati nos ensinou a ouvir música", afirmou ele.
O instituto e a entrada de Shelaldeh em um ofício surgido na Itália do século 17 são parte de um recente aumento no interesse pela música clássica, tanto a ocidental quanto a oriental, nos territórios ocupados. Pais, alunos e professores ali dizem que isso se deve à percepção de que a cultura é uma afirmação efetiva da identidade nacional, particularmente em um momento em que as perspectivas para um Estado palestino parecem em retração. É também uma chance de dar um foco a jovens desocupados.
No caso de Shelaldeh, a música clássica significa uma carreira. Um dos seus principais professores, Paolo Sorgentone, entrevistado no mês passado em sua oficina de Florença, disse que, embora o jovem tenha muito que aprender, ele possui um dom natural, "tanto nas mãos quanto na cabeça".
Sorgentone disse ter aconselhado Shelaldeh e sua família para que ele receba uma formação sólida e sugeriu o Newark College, no Reino Unido, conhecido por seu programa de fabricação e restauro de violinos. Ele se inscreveu, mas ainda não sabe se será aceito e se terá dinheiro para o curso.
Abureduan, 30, abriu o seu instituto em 2006. Tem hoje cerca de 400 alunos, estudando instrumentos ocidentais e orientais. "Quero que essas crianças conquistem algo", disse ele. "Esse é o meu sonho, que elas tenham um meio de expressão, um meio de vida. Quero que essa garotada participe da construção de um futuro cultural palestino."
Abureduan contou que viu Shelaldeh, cuja família -com oito filhos- vive perto do instituto, vadiando pelos arredores. Acabou atraindo cinco irmãos de Shelaldeh para as aulas de música. O alaúde e o violino não interessaram tanto Shelaldeh, mas Abureduan sabia da propensão do seu pupilo para trabalhar com as mãos. "Ele era como um técnico de tudo", afirmou.
Então, quando dois "luthiers", um francês e um belga, chegaram para trabalhar nos instrumentos do centro de música, ele estimulou Shelaldeh a ficar observando. O garoto recebeu pequenas tarefas, como limpar ferramentas, e começou a demonstrar suas habilidades básicas no entalhe da madeira.
Shelaldeh disse que é a precisão da atividade que lhe seduz, assim como a paz do trabalho em si, noite adentro. "É uma sensação bonita", disse ele recentemente. "Quero trabalhar aqui e ensinar as pessoas."


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