São Paulo, segunda-feira, 15 de novembro de 2010

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

INTELIGÊNCIA/ROGER COHEN

Ser legal não basta

LONDRES
Que legal que o presidente Barack Obama tenha defendido uma vaga permanente para a Índia no Conselho de Segurança da ONU, que legal que faça discursos pela reconciliação entre o Ocidente e o mundo islâmico e contra a ampliação dos assentamentos israelenses na Cisjordânia.
Mas ser legal não basta, como mostram os dois primeiros anos de mandato de Obama. Há pouca razão para crer que a Índia obterá sua vaga permanente no Conselho, assim como o Japão não a obteve, apesar do apoio do governo Bush.
As hesitações dos cinco membros permanentes e com poder de veto do Conselho, junto com as rivalidades regionais envolvendo os aspirantes, geram paralisia. A China não quer a promoção da Índia, a Argentina vê com suspeita as ambições do Brasil, e a Nigéria desconfia da África do Sul.
O resultado é um Conselho de Segurança que não reflete o mutante mapa do poder no século 21. E tal dissociação não se restringe às Nações Unidas. A boa retórica de Obama tem tido impacto apenas esporádico em suas ações. As aspirações inovadoras deram lugar a políticas convencionais.
Uma razão disso é Obama ter se revelado um político ineficaz, se a política for entendida como traduzir palavras em ações, por meio de bajulação, charme, negociação e afins. Será que o presidente gosta de política? Se Obama não conseguir provar que gosta, não conseguirá se recuperar como fizeram Reagan e Clinton após sofrerem surras eleitorais no meio de seus mandatos.
O Capitólio agora lhe será mais hostil, especialmente na política externa. Prepare-se, por parte do novo Congresso, para os tambores de guerra contra o Irã, um crescendo de golpes contra a China, hesitação a respeito dos acordos armamentistas com a Rússia e um aval inequívoco a cada passo dado por Israel.
O dilema de Obama é que os republicanos -cuja vitória reflete uma América raivosa e ansiosa- não compartilham das suas convicções sobre como um mundo interconectado obriga Washington a depender mais do "soft power". A nostalgia pelo domínio dos EUA se sobrepõe à admissão de que o poderio americano foi reduzido. O Tea Party de certa forma é reflexo disso. E, mesmo antes das eleições parlamentares, o presidente já vinha se mostrando fraco em realizar mudanças na política externa.
Agora, Obama terá de lidar com a republicana Ileana Ros-Lehtinen como presidente da Comissão de Assuntos Exteriores da Câmara. Tanto na questão de Cuba quanto na do Irã, a palavra "diálogo" não parece estar no vocabulário dela. A pressão da Câmara por uma ação militar contra o Irã deve crescer até o final de 2011 caso as sanções não levem Teerã a mudar de rumo (o que é improvável). Uma guerra contra o Irã faria a aproximação de Obama com o mundo islâmico soar como piada de mau gosto.
Sua margem de manobra no conflito israelo-palestino também será mais limitada. O parlamentar republicano Eric Cantor já propôs que a ajuda a Israel seja dissociada do restante do orçamento da ajuda internacional, num sinal de que os republicanos pretendem cortar verbas de nações vistas como hostis, mas sem abrir mão do apoio a Israel. A tentativa de Obama de assumir uma posição intermediária -mais como mediador do que como advogado de Israel- será posta à prova. Uma guerra retórica contra o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, por causa de obras em Jerusalém Oriental sugere que a paciência do presidente está se esgotando.
O novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (Start) com a Rússia também está em risco, pois os republicanos querem dar mais ênfase -e dinheiro- para a modernização do arsenal nuclear dos EUA. Se o Start morrer no Senado, o mesmo acontecerá com o apoio da Rússia à política de Obama para o Irã. Da mesma forma, se a ira do Congresso contra a subvalorização da moeda chinesa se mostrar incontrolável, a já limitada cooperação chinesa na questão do Irã irá evaporar.
Sim, é um mundo interconectado. Uma área em que Obama poderia admitir isso e obter apoio republicano seria ao pressionar para que finalmente sejam aprovados os acordos de livre comércio com a Colômbia, o Panamá e a Coreia do Sul. Isso seria ótimo e lhe daria um crédito que poderia capitalizar em negociações sobre questões mais duras. É hora de fazer política. As coisas estão interconectadas também em Washington.


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