São Paulo, segunda-feira, 16 de agosto de 2010

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Criaturas incomuns que intrigaram Darwin


Fósseis misteriosos são ligados ao período chamado de Ediacarano


Por SEAN B. CARROLL

A explosão cambriana -o surgimento aparentemente abrupto de animais complexos no registro fóssil do período Cambriano- perturbou Charles Darwin. Na época de Darwin não se conheciam fósseis abaixo daqueles do período Cambriano, que data de aproximadamente 542 milhões a 490 milhões de anos atrás. Esse era um fato extremamente perturbador para sua teoria da evolução; os animais complexos deveriam ser precedidos, no registro fóssil, por formas mais simples.
Em "A Origem das Espécies", Darwin afirmou que "durante esses vastos, mas desconhecidos, períodos de tempo, o mundo fervilhava de criaturas vivas". Mas ele não sabia por que não havia registros delas.
Levou muito tempo, e pesquisas em alguns dos lugares mais remotos do planeta -o Outback australiano, o deserto da Namíbia, a Terra Nova (Canadá) e o extremo norte da Rússia-, mas hoje temos registros fósseis da época imediatamente anterior ao Cambriano. As rochas revelam um mundo cujos oceanos fervilhavam com diferentes formas de vida.
Essa brecha no registro fóssil, hoje chamada de período Ediacarano, é de intenso interesse. Datado de 635 a 542 milhões de anos atrás, é o primeiro novo período geológico a ser denominado em mais de um século.
Geólogos desenvolveram algumas teorias sobre as mudanças drásticas no clima e na química da Terra que podem ter permitido a evolução dos animais.
O primeiro grande avanço em direção à descoberta da primeira forma de vida animal ocorreu em 1946, quando Reginald Sprigg, um geólogo do sul da Austrália, notou algumas impressões em forma de disco de até 10 cm de diâmetro em rochas nas montanhas Ediacaran, ao norte de Adelaide. Ele acreditou que sua aparência incomum e sua idade marcassem o início do Cambriano, e as considerou as formas animais mais antigas jamais vistas. Mas suas descobertas foram ignoradas.
Uma década depois, mais formas de corpos macios foram encontradas nas montanhas Ediacaran e no Reino Unido, e sua idade foi definida como anterior ao Cambriano. Depósitos de formas de idade semelhante foram descobertos na Terra Nova, no sul da Namíbia, no mar Branco da Rússia e em mais de 30 outros lugares nos cinco continentes. A distribuição dessas formas variadas demonstra que a vida era complexa e diversificada no Ediacarano.
Mas muitas dessas criaturas são tão diferentes das formas modernas que decifrar o que elas são e como viviam continua desafiando os paleontologistas. A maioria dos ediacaranos não tem algumas características típicas dos animais modernos -como a boca ou o ânus, ou as conchas típicas de muitos grupos cambrianos. Os cientistas também tinham de explicar como essas criaturas funcionavam.
O tipo de animais ediacaranos que os paleontologistas se esforçaram especialmente para identificar são aqueles com simetria corpórea bilateral, a característica típica de muitos grupos animais modernos, incluindo os humanos.
Localizar as origens dos animais bilaterais é crucial para a compreensão do ritmo da evolução animal. O registro fóssil ediacarano também não levanta a questão de por que, depois de mais de 2,5 bilhões de anos, formas maiores e mais complexas surgiram naquela época.
Um requisito básico para as grandes criaturas é o oxigênio, e a história dos níveis de oxigênio também está gravada nas rochas. Os primeiros ediacaranos eram criaturas de águas profundas que emergiram entre 575 e 565 milhões de anos atrás.
Análises químicas recentes de sedimentos ediacaranos revelam que o oceano profundo originalmente não tinha oxigênio, depois tornou-se muito mais rico nessa substância e assim se manteve. Essa elevação acentuada pode ter sido o catalisador para a evolução dos animais.
Darwin escreveu a um amigo certa vez: "Nosso ancestral foi um animal que respirava água, tinha uma bexiga natatória, uma grande cauda natatória, um crânio imperfeito e sem dúvida era hermafrodita!".
Os fósseis ediacaranos nos dizem que Darwin foi generoso demais. Nosso mais antigo ancestral animal provavelmente não tinha cabeça, nem cauda, nem órgãos sexuais e ficava imóvel no fundo do mar, como um capacho.


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