São Paulo, segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

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CLAUDE LANZMANN

"Shoah" preserva as verdades lancinantes do horror nazista

"Na Europa não se diz 'Holocausto'. Foi uma catástrofe, um desastre."

Por LARRY ROHTER

Um quarto de século após o documentário "Shoah" ter transformado a forma como o mundo viu o Holocausto, o filme foi recentemente relançado nos EUA -o que o diretor Claude Lanzmann considera ter demorado demais.
E Lanzmann, 85, argumenta que "Shoah" não é realmente um documentário, e que "Holocausto" é "um nome completamente inadequado" para descrever o extermínio de 6 milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial. Ele se queixa de que, ao contrário da Europa, onde "Shoah" "nunca parou de ser exibido nos cinemas e na TV", seu filme "desapareceu do cenário americano", e que isso permitiu que noções equivocadas se propagassem.
"Não foi de jeito nenhum um holocausto", disse durante recente visita a Nova York, lembrando que o significado literal da palavra se refere à queima de uma oferenda a um deus. "Para alcançar Deus, 1,5 milhão de crianças judias foram oferecidas? O nome é importante, e na Europa não se diz 'Holocausto'. Foi uma catástrofe, um desastre, e em hebraico isso é 'shoah'."
Lanzmann é um judeu francês que participou da Resistência quando adolescente, e mais tarde foi editor da "Les Temps Modernes", revista cultural e filosófica fundada por Jean-Paul Sartre. Ele disse que, embora não tenha perdido parentes no Holocausto, o episódio se apoderou totalmente dele a partir do início das filmagens, em 1973.
"Depois que eu comecei, não pude mais parar", disse. "Fiquei como um cego durante os 12 anos da realização de 'Shoah', como um cavalo com tapa-olhos."
Com pouco mais de nove horas de duração, "Shoah" se vale de mais de 300 horas de filmagem, e não deve ser considerado um documentário, segundo o diretor. "Não registrei uma realidade que pré-existia ao filme, tive de criar essa realidade [a partir de] uma espécie de coro de vozes e rostos emergentes, de tantos assassinos, vítimas e espectadores."
"Shoah" se tornou o parâmetro para as representações visuais do Holocausto. É claro que, desde seu lançamento, em 1985, houve numerosos filmes que abordaram como ficção vários aspectos do Holocausto, inclusive dois ganhadores do Oscar: "A Vida É Bela", de Roberto Benigni, que Lanzmann despreza, e "A Lista de Schindler", de Steven Spielberg, que ele considera pernicioso.
O filme de Spielberg, disse ele, é "muito sentimental", além de "falso", por oferecer um final otimista. Lanzmann é igualmente impaciente com esforços para explicar o Holocausto. "Perguntar por que os judeus foram mortos é uma questão que mostra sua própria obscenidade", afirmou.
O cenário político, moral e midiático do mundo também mudou consideravelmente desde o lançamento original de "Shoah". Por um lado, entidades que vão do governo do Irã ao Instituto para a Revisão Histórica promovem abertamente a negação do Holocausto; por outro lado, os genocídios mais recentes na Bósnia, em Ruanda e em Darfur podem ter reduzido a aura do Holocausto como um fato único, ou mesmo a sua capacidade de chocar.
"As pessoas falam dos 'nazistas da sopa', ou, se você não gosta da carrocinha de cães, ela é 'a Gestapo'", disse Abraham Foxman, diretor da Liga Antidifamação. "O relançamento de 'Shoah' oferece uma oportunidade importantíssima e significativa para refocar."
Desde o lançamento de "Shoah", Lanzmann fez três "filmes-satélites", nenhum deles com mais de uma hora e meia, e está trabalhando em mais um. Ele também publicou recentemente uma autobiografia, "A Lebre Patagônica", de grande sucesso na França.
"A maioria dos que entrevistei já faleceu", disse. "Mas o filme 'Shoah' não morreu."


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