São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

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Novo desafio para Rússia e EUA


Crise global pode aproximar Moscou e Washington

ELLEN BARRY
ENSAIO

MOSCOU - Em agosto do ano passado, uma nova Rússia apresentou-se ao mundo. Desde o campo de batalha da Geórgia, a mensagem transmitida era "não buscamos mais a opinião positiva do Ocidente". O novo gosto pelo confronto foi visto por muitos como subproduto da riqueza obtida com o gás e o petróleo, que dera aos líderes russos a confiança necessária para correrem o risco de isolamento internacional.
Essa tese pode ter validade curta. Os líderes russos, que já não podem mais nutrir a esperança de fazer do rublo uma divisa de reservas internacionais, agora enfrentam uma confluência de desastres. O preço do barril de petróleo caiu para menos de US$ 40, as ações da Gazprom (estatal energética russa) tiveram queda de 76% em um ano, e mais de um quarto das reservas de divisas da Rússia foi gasto para reforçar o rublo.
Mas será que isso significa que podemos prever um degelo entre Moscou e Washington?
A pergunta surge num momento de alta tensão. O impasse entre Rússia e Ucrânia em torno dos preços do gás acabou afetando a Europa inteira; a violência na Geórgia pode voltar. Os responsáveis do presidente eleito Barack Obama pela política em relação à Rússia estão tomando posse sob a pressão dos acontecimentos.
Henry Kissinger, que esteve recentemente em Moscou, oferece a perspectiva esperançosa de que o crash financeiro global possa levar a "uma era de interesses compatíveis". Outros, porém, veem a crise empurrando a Rússia na direção oposta. Segue um esboço de dois caminhos possíveis.

Primeiro cenário: cooperação
Todos foram enfraquecidos e embobrecidos pela crise. Assim, sob a pressão das preocupações domésticas, os dois lados reduzem suas ambições no exterior. Washington desacelera seu cronograma para a expansão da Otan (aliança militar ocidental) e a defesa antimísseis; a Rússia adia o sonho de reconquistar a "esfera privilegiada de influência" dos tempos soviéticos. Os líderes em Moscou apresentam isto ao público como uma vitória.
A lógica aqui é simples: uma Rússia carente de dinheiro precisaria de financiamento e tecnologia ocidentais para desenvolver seus campos energéticos. Iniciativas para conquistar poder, como as ações passadas da Rússia contra a British Petroleum e a Shell, pareceriam contraproducentes. A "batalha de ideias" no interior do Kremlin -como a descreve Igor Iurgens, assessor do presidente Dmitri Medvedev- se afastaria dos "instintos de isolamento, reclusão e imperiais" e se voltaria a uma parceria de longa data com o Ocidente.

Segundo cenário: recuo e nacionalismo
"Menos recursos significa mais comportamento egoísta", disse Sergei Markov, diretor do Instituto de Estudos Políticos de Moscou. Nesse caso, a Rússia se vê enfrentando dissensão interna e a ameaça de separatismo regional. Obrigados a lutar por sua sobrevivência, líderes políticos voltam seu foco a um inimigo externo -os EUA, que eles já culparam pela crise econômica enfrentada na Rússia.
Qual desdobramento é o mais provável? O primeiro, em que considerações econômicas ditam uma política externa mais moderada, requer condições que talvez não existam. No governo, setores economicamente mais progressistas podem desafiar os representantes da linha dura. As bases que poderiam apoiá-los são aquelas que silenciaram durante o boom.
"Militares e burocratas que se sentem parte da classe média podem fazer parte dessa coalizão", disse Iurgens. "Se essa coalizão poderia ter força suficiente, é algo que não tenho como prever."


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