São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

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Após oito anos, Bush e seu vice agora divergem


"Eu faria exatamente a mesma coisa", declarou o vice-presidente Cheney

SHERYL GAY STOLBERG
ENSAIO

WASHINGTON - O presidente George W. Bush e seu vice, Dick Cheney, têm falado como nunca nas últimas semanas, período em que se despedem dos respectivos cargos. Mas após oito anos de uma parceria que deu a Cheney uma poderosa influência dentro da Casa Branca, os dois partem com tons notavelmente diferentes, especialmente a respeito de uma das questões mais fundamentais deste governo: a agressiva resposta deles aos ataques terroristas de 11 de Setembro.
Bush defende que suas decisões foram necessárias para manter a nação segura, embora soe reflexivo. E o homem que empacou diante de uma pergunta sobre eventuais erros cometidos -não conseguia se lembrar de nenhum em 2004- recentemente admitiu à ABC News que estava "despreparado para a guerra" e que "o maior arrependimento de toda a Presidência tem de ter sido a falha de inteligência no Iraque".
Cheney, pelo contrário, continua desafiador até o final. Disse que a Suprema Corte estava "errada" por reverter as políticas de Bush a respeito da prisão de Guantánamo; criticou seu sucessor, Joe Biden; e defendeu a simulação de afogamento como técnica em interrogatórios, algo que muitas autoridades judiciais consideram uma forma de tortura.
"Eu me sinto muito bem com o que fizemos", disse o vice-presidente ao jornal "The Washington Times", acrescentando: "Se eu enfrentasse tais circunstâncias novamente, faria exatamente a mesma coisa".
Essa diferença de tom, segundo amigos e assessores, reflete uma divisão a respeito da política externa no segundo mandato, que Cheney teria considerado branda demais. Revela também expectativas divergentes quanto à vida pós-Casa Branca.
Bush, que planeja abrir um centro de política públicas em Dallas, busca moldar seu legado histórico, enquanto Cheney, prioritariamente preocupado com a ameaça terrorista, se prepara para o papel de porta-estandarte dos conservadores em questões de segurança nacional.
"As entrevistas do presidente tratam de criar uma base para que os historiadores avaliem o contexto das suas decisões de forma diferente, com uma maior contribuição dele", disse Wayne Berman, que assessorou Bush e é amigo de longa data de Cheney. "Cheney está vivendo o momento 'Há uma séria ameaça em curso', e acredito que ele se vê em um papel mais churchilliano, como um sentinela emitindo um apelo por vigilância."
E, se Cheney se manteve "leal a uma falha", como disse John Bolton, ex-embaixador na ONU, cujas opiniões habitualmente refletem a do vice-presidente, ele agora se vê "cada vez mais em uma posição combalida".
No primeiro mandato, apoiado por seu aliado Donald Rumsfeld, então secretário da Defesa, Cheney estava em ascensão, e suas opiniões sobre o uso agressivo da autoridade do Executivo e do poderio militar exerciam grande influência. Mas depois que Bush demitiu Rumsfeld, em 2006 -a única decisão presidencial da qual Cheney discordou publicamente-, o vice-presidente perdeu espaço para a secretária de Estado, Condoleezza Rice, que convenceu o presidente a ser mais diplomático com os dois países que ele considerava "párias", o Irã e a Coreia do Norte.
"Nossa capacidade de explicar o que fizemos no campo da segurança nacional durante oito anos foi totalmente inadequada, e parte disso é porque muitos altos funcionários do governo ficaram constrangidos com as decisões", disse Bolton. "Cheney nunca ficou constrangido e agora, nos últimos meses, está mais livre para fazer uma defesa incisiva e enfática [da atuação do governo], que outros não estão dispostos a fazer."
Bush e Cheney concederam mais entrevistas nesta fase do que seus antecessores. Dan Quayle, o último vice-presidente que não se candidatou à sucessão do titular, deu três entrevistas "de despedida"; Cheney já deu quatro. O presidente Ronald Reagan deu cinco entrevistas nos seus dois últimos meses de mandato; Bill Clinton deu sete; Bush já concedeu dez, a diversos veículos.
Tanto Bush quanto Cheney dizem esperar uma vida reservada. Bush declarou à ABC News que está ansioso por "viver a vida sem os holofotes". Mas ambos têm mais a dizer.
Cheney deve escrever um livro. Bush diz que certamente escreverá um livro, para oferecer aos americanos, como ele disse ao "Washington Times", "o ponto de vista de um homem que por acaso estava no centro de tudo isso".


Colaborou Barclay Walsh


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