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TENDÊNCIAS MUNDIAIS
Jornalista conta como foi alvo de hackers em Pequim
ANDREW JACOBS
ENSAIO
PEQUIM - Demorei a me dar conta da realidade -e dos meus receios.
Amigos e colegas vinham reclamando havia semanas que eu não respondera seus e-
mails. Eu jurava que não os havia recebido. Meu programa de e-mail começou a
entrar em pane quase diariamente. Mas foi apenas quando todos os meus contatos
sumiram pela segunda vez que a desconfiança me levou a agir.
Pesquisei minhas configurações do Yahoo! e estremeci. As mensagens que chegavam
estavam sendo encaminhadas a um endereço de e-mail que eu desconhecia,
presumivelmente digitado por invasores. Eu tinha sido vítima de hackers.
Essa frase vem sendo repetida com frequência ultimamente em bate-papos on-line e
jantares na China, onde dezenas de jornalistas estrangeiros descobriram invasões
de suas contas de e-mail.
Diferentemente, porém, dos softwares que procuram extrair senhas de contas
bancárias, esses ciberataques parecem ser inspirados pela velha e boa
espionagem.
Investigações recentes de ciberdetetives da Universidade de Toronto trouxeram à
tona grupos de espionagem eletrônica que roubam documentos e correspondências de
computadores em cem países. Foram detectados alguns padrões comuns: muitos dos
ataques tiveram origem em computadores situados na China, e os espiões parecem
ter predileção pelo Ministério da Defesa da Índia, por defensores dos direitos
dos tibetanos, pelo dalai-lama e por jornalistas estrangeiros que cobrem China e
Taiwan.
Embora os relatórios das investigações tenham tido o cuidado de não atribuir os
incidentes aos chineses, não foi difícil discernir o que ficou implícito: alguém
na China vem praticando vigilância "high-tech" e roubo de dados, e os alvos são
pessoas vistas como inimigas do Estado. Se isso estiver acontecendo de fato,
representa um novo capítulo na longa história das tentativas chinesas de
controlar os jornalistas (hoje mais de 400) que vivem e trabalham na China.
Nart Villeneuve, pesquisador canadense que ajudou a analisar os ataques,
incluindo uma mensagem de e-mail infecciosa criada para enganar os assistentes
de jornalistas estrangeiros em Pequim, fez uma ressalva: disse que não há provas
suficientes para atribuir os ataques a chineses, ou, pelo menos, ao governo
chinês.
"Os atacantes tendem a mascarar sua localização", disse Villeneuve,
investigador-chefe da SecDev.cyber, empresa de segurança na internet. "Por outro
lado, vale se indagar quem tem tempo e interesse em gerar esse tipo de ataque
com alvos certos."
Aqueles de nós que vivemos e trabalhamos na China poderíamos ser perdoados por
suspeitas que focam nossos anfitriões, ou, pelo menos, a multidão de chamados
hackers patriotas que se sentem ofendidos com a cobertura que fazemos e empregam
suas habilidades em informática para reagir.
Para falar com clareza, a situação dos jornalistas estrangeiros na China
melhorou muito nos últimos anos. Mas há um viés inegavelmente contencioso em
nosso relacionamento com a China, algo que tem suas raízes na história e na
convicção de muitos chineses de que os jornalistas são espiões dotados da
capacidade de escrever bem. Mesmo que tenha poucas provas disso, a maioria de
nós já presume que terá suas conversas telefônicas monitoradas. Aprendemos a
tirar os chips de nossos celulares quando temos encontros com dissidentes.
Frequentemente, no escritório, abaixamos a voz quando falamos de tópicos
"politicamente delicados".
Mesmo hoje, os grupos noticiosos ocidentais reclamam quando seus funcionários
são convocados para sessões com funcionários de segurança que lhes fazem
perguntas sobre as reportagens nas quais estão trabalhando.
A maioria dos jornalistas que trabalha na China hoje concordaria que os sinais
externos de vigilância diminuíram muito. Alguns, porém, afirmam que o
monitoramento se tornou mais sofisticado e sutil, o que nos traz de volta à onda
recente de hacking.
Como o Yahoo! se nega a comentar a natureza dos incidentes, não está claro
exatamente o que aconteceu. A empresa disse a algumas das vítimas que suas
contas tinham sido invadidas, mas se negou a ser mais específica. Suas mensagens
de e-mail foram lidas? Suas fontes foram postas em perigo? Eles não sabem.
Mesmo que não compreendamos inteiramente o que aconteceu, as invasões dos e-
mails deixaram muitos jornalistas inseguros e nervosos. Uma repórter disse que
se sentiu violada e revoltada ao descobrir que sua conta de e-mail estava
comprometida.
"Preocupo-me com meus amigos chineses que podem ter escrito coisas que podem vir
a lamentar", disse ela, pedindo anonimato. "Eu ficaria mais aliviada se tivessem
apenas roubado os dados de meu cartão de crédito."
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