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Um bando, vários tiques
Há personalidades individuais em populações animais
NATALIE ANGIER
ENSAIO
Recentemente tentei fazer uns testes de personalidade on-line e devo dizer que
fiquei frustrada com as perguntas amorfas -como se eu era "alguém que tende a
botar a culpa" nos outros (claro que sim).
Em lugar nenhum havia desafios como o seguinte: digamos que você está morrendo
de fome e topa com seu prato favorito. Nele você vê, além da mistura habitual de
amendoim e insetos, um sapo de plástico rosa-choque. Em quanto tempo você reúne
o sangue frio para comer o seu jantar?
Joias vividamente tangíveis como essa vêm do próspero campo da pesquisa sobre
personalidade animal, o esforço para entender por que indivíduos da mesma
espécie podem ser tão teimosamente si mesmos e tão diferentes entre si, em uma
ampla gama de medições comportamentais.
Os cientistas descobriram evidências de personalidades distintas -pacotes
fechados de comportamentos, tiques, preferências e ranhetices que permanecem
estáveis ao longo do tempo e em várias situações. Eles descobriram uma
diversidade estilística em animais díspares como chimpanzés e percevejos e
aprenderam que os bichos, como nós, costumam manter a mesma personalidade ao
longo da maior parte da vida.
Os pesquisadores estão criando modelos de computador para explicar como
diferentes personalidades podem ser mantidas em uma dada população animal e
explorando os pontos positivos e negativos de diferentes estilos pessoais.
Alguns críticos se queixam de que o termo "personalidade animal" é meio
escorregadio demais, e outros acham que a empreitada lembra um setor
desacreditado da biologia, o antropomorfismo, que consiste em atribuir traços
humanos a seres não humanos. Os pesquisadores do novo campo, no entanto,
defendem seu jargão e sua tática. "Parte dos padrões comportamentais dos quais
estamos falando é similar àquilo que chamamos de personalidade na literatura da
psicologia humana", disse Max Wolf, do Instituto Max Planck, da Alemanha.
"Então, por que não chamar de personalidade em outros animais?"
Em artigo neste mês na revista "Animal Behaviour", cientistas da Universidade de
Glasgow abordaram a preocupação de que essas descobertas, muitas feitas com
animais em cativeiro, sejam artefatos de laboratório, irrelevantes com relação a
como as criaturas agem na natureza.
Trabalhando durante dois invernos com 125 chapins azuis apanhados na natureza,
Katherine Herborn e seus colegas inicialmente tipificaram a personalidade de
cada ave no laboratório, focando dois traços: a neofobia (medo de novidades) e a
disposição em explorar os arredores. Eles colocaram os sapos de plástico na
comida das aves e cronometraram quanto tempo cada pássaro levava para comer.
Todas as aves notaram o intruso.
"Dava para ver que [os pássaros] ficavam agitados, pulando na gaiola", afirmou
Herborn. Mas alguns deles ignoravam o medo e começavam a comer em questão de
segundos, enquanto outros passavam vários minutos longe. Os pesquisadores também
ofereciam às aves uma mistura de gaiolas novas e familiares e mediam quanto
tempo cada chapim levava para explorar novos poleiros e compartimentos.
Os pesquisadores, então, soltaram as aves etiquetadas e continuaram monitorando
suas tendências neofóbicas e exploratórias, alterando as cores dos comedouros
existentes e instalando novos em outros lugares. "Essa foi uma parte mais
difícil do estudo e envolveu puxar muita bateria por aí [para os equipamentos de
monitoramento]", disse Herborn.
Apesar dos desafios da experiência, os resultados foram claros. As aves que já
eram avessas ao sapo no cativeiro ficavam igualmente ariscas diante de mudanças
de cores no exterior, enquanto as que já eram exploradoras no cativeiro se
mostraram também adeptas de encontrar novas oportunidades de alimentação ao
longe. Uma ave no laboratório agia igual a uma ave no mato.
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