São Paulo, segunda-feira, 19 de setembro de 2011

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Com saída do Shabab, clãs repartem a Somália

A fome se espalha e governos frágeis não conseguem contê-la

DHOBLEY, Somália - O grupo islâmico Al Shabab, que por muito tempo atormentou os somalis, está em retirada da capital Mogadício, mas surge uma escaramuça confusa e violenta entre clãs sobre quem vai controlar o país fracionado depois de duas décadas de guerra civil.
"O que temos hoje é uma disputa generalizada em que os clãs estão unilateralmente retalhando o país em enclaves inviáveis", disse Rashid Abdi, um analista do International Crisis Group, que estuda conflitos.
"Do jeito que as coisas vão, o risco de futuras guerras inter-regionais e de instabilidade é real, mesmo depois que o Al Shabab for derrotado."
Isso é exatamente o que os Estados Unidos e outros doadores esperavam evitar ao investir milhões de dólares no Governo Federal de Transição, considerando-o o melhor antídoto para a instabilidade crônica da Somália e um bastião contra o extremismo islâmico na região.
Mas o governo é fraco, corrupto, dividido e desorganizado demais para controlar além da capital, deixando os chefes guerreiros dos clãs, as milícias islâmicas e forças municiadas por governos estrangeiros a combater.
Já houve choques entre as forças anti-Shabab que lutam pelos despojos, e bloqueios de estradas operados por milícias dos clãs ressurgiram em Mogadíscio. Analistas dizem que o Shabab e o governo estão perdendo força e preveem queos conflitos vão se acirrar, dificultando a reação da Somália à crise de fome.
"O que mantinha todos juntos desapareceu", lamentou uma autoridade da União Africana. "Todas essas pessoas que se uniram para combater o Shabab hoje começam a lutar entre si. Não estávamos preparados para isto. Está acontecendo depressa demais."
Mais de 20 novos miniestados diferentes, incluindo um em uma área atingida pela seca que de modo incongruente se chama "Terra Verde", surgiram por toda a Somália, alguns pouco mais que sites na web ou os chamados "governos de papel", outros fortemente armados, todos ávidos pelo reconhecimento internacional e o dinheiro que poderá vir disso.
Autoridades americanas disseram que perderam a fé nos líderes do governo transitório e agora estão abertas à ideia de financiar forças de segurança locais.
"Não seria a pior coisa do mundo ter um líder local com um certo carisma e apoio das bases", disse uma autoridade americana.
Talvez nenhuma área ilustre melhor a situação que Dhobley, uma cidadezinha esquecida perto da fronteira do Quênia, disputada por duas novas milícias, uma liderada por um intelectual elegante, educado na França, outra por um xeque islâmico que costumava ser aliado da Shabab.
As pessoas estão passando fome aqui, vítimas da escassez na Somália, há adultos com 30 quilos e bebês com a pele rachada como tinta velha. Mas há poucas organizações de ajuda. Elas foram assustadas pelas centenas de milicianos indisciplinados, que constantemente dispararam suas armas e mataram uns aos outros nas últimas semanas.
Os atiradores de uniformes verdes pertencem a Ahmed Madobe, o xeque islâmico que se transformou em chefe guerreiro que alguns anos atrás era caçado pelas forças americanas, foi ferido por estilhaços durante um ataque aéreo e depois levado para uma prisão na Etiópia.
"Eu não estava apenas na Shabab; eu ajudei a fundá-la", gabou-se o xeque Madobe, sentado em uma tenda nos arredores de Dhobley. Ele disse que deixou o Shabab porque "eles são assassinos", embora vários analistas digam que foi uma ruptura prosaica por causa de taxas de contrabando.
Também vagando por Dhobley há centenas de atiradores camuflados combatendo por outro homem, Mohamed Abdi Mohamed, mais conhecido como professor Gandhi, um ex-professor universitário que disse que tem dois Ph.D. franceses.
Ele formou seu próprio Estado, Azania, com duas câmaras de representantes e assentos especiais para mulheres, embora ele não esteja realmente em Dhobley e pareça passar a maior parte de seu tempo no Quênia.
As forças do Professor Gandhi e do xeque Madobe, trabalhando simultaneamente mas não juntas, forçaram recentemente o Al Shabab para fora de algumas cidades na fronteira do Quênia.
Os militares quenianos as têm apoiado, e segundo telegramas diplomáticos americanos, a China deu ao Quênia armas e uniformes para os milicianos somalis, possivelmente porque há petróleo no sul da Somália que os chineses cobiçam.
O xeque Madobe diz que está disposto a trabalhar com o governo transitório; o professor Gandhi os considera uma causa perdida. Até as administrações locais alinhadas com o governo, hoje querem se separar.
"A separação é nosso sonho", disse Abdirashid Hassan Abdinur, uma autoridade local. Quanto ao nome, ele disse que ainda estão pensando. "Tudo o que posso dizer é que o vamos escolher aqui, e não em algum hotel estrangeiro."


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