São Paulo, segunda-feira, 21 de setembro de 2009

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Ensaio

Catherine Rampell

Quando o mercado perde as amarras

Desta vez é diferente.
Isso é o que as pessoas argumentam toda vez que uma bolha infla e o que pensam toda vez que são castigadas por seu estouro. Mas, século após século, os seres humanos permitem que esperanças irracionais tirem o melhor de si.
Há não muito tempo, a bolha imobiliária estourou, paralisando a economia global.
Agora, os economistas dizem que governos, bancos centrais e órgãos internacionais deveriam avaliar os mercados que pareçam propensos a gerar uma nova bolha nos próximos anos, como os mercados de capital na China, as commodities como ouro e petróleo e os títulos públicos de países fortemente endividados, como os EUA.
"Globalmente, um monte de dinheiro está agora buscando retornos mais elevados outra vez", disse Rachel Ziemba, analista sênior da RGE Monitor. A estabilização da economia, as injeções de liquidez dos governos e os grandes lucros obtidos neste ano por bancos de investimentos estão encorajando mais agentes a voltarem ao mercado.
"Enquanto a compensação e os bônus se basearem no desempenho de curto prazo do mercado, isso vai encorajar o comportamento de risco", disse Ziemba.
Bolhas são episódios de loucura humana coletiva -euforia com investimentos cuja disparada é insustentável.
Elas tendem a surgir a partir de percepções de escassez iminente (como aconteceu no ano passado, com a bolha do petróleo); da glamourização de novas tecnologias e investimentos (como a bolha da internet na década de 1990); ou de obsessões culturais da moda (como a bolha holandesa das tulipas no século 17).
Muitas vezes elas se baseiam em expectativas legítimas de crescimento que são "extrapoladas para a estratosfera", como diz o economista Daniel Yergin, presidente da IHS-Cambridge Energy Research Associates.
Tal é o temor com os investimentos em mercados emergentes, como a China.
"Sou otimista em longo prazo com a Ásia, mas agora é prematuro ficar celebrando o 'século asiático', como alguns investidores parecem estar fazendo", disse Stephen Roach, presidente da Morgan Stanley na Ásia.
O índice da Bolsa de Xangai, por exemplo, quase duplicou entre novembro e julho, antes de recuar no mês passado. "As pessoas parecem acreditar que o bastão da liderança na economia global está passando suavemente do Ocidente para o Oriente", disse Roach. "Isso vai acontecer, mas não dentro de pelo menos cinco a dez anos."
Uma excitação igualmente prematura inflou a bolha dos Mares do Sul, no século 18, ligada ao comércio britânico com mercados emergentes latino-americanos. (Até o brilhante cientista Isaac Newton perdeu um monte na bolha dos Mares do Sul, o que é irônico, diante da sua famosa afirmação de que tudo o que sobe também desce.)
Os economistas também se preocupam com as bolhas das commodities, que tendem a ser mais cíclicas. Os preços do ouro já subiram mais de 30% em um ano, e o petróleo também está em alta. Em cada um desses mercados, a inflação e a deflação dos preços seriam dolorosas para investidores, mas podem não ter consequências tão abrangentes quanto os recentes colapsos dos mercados imobiliário e financeiro.
Mas uma bolha da dívida soberana -que muitos argumentam estar provocando a aceleração no preço do ouro- pode se mostrar bem mais perigosa.
Muitos países, como os EUA, estão criando tamanhas dívidas nacionais que correm o risco de afinal entrar em moratória. Mesmo sem um calote direto nas suas obrigações, o valor dos títulos públicos vendidos para financiar esses deficits pode despencar, custando caro aos investidores.
A dor do estouro financeiro levou políticos e bancos centrais a reconsiderarem seus deveres de evitar as bolhas, em vez de simplesmente reagir a elas.
A China começou a endurecer a política monetária para reduzir as expectativas sobre seus papéis. Outras medidas em discussão no mundo incluem regulamentações adicionais, diretrizes para a compensação financeira e possivelmente exigências de maior transparência nos mercados.
Mas, por mais rígidas que sejam as novas regras, dizem os economistas, elas não podem derrotar a natureza humana. "Em última análise, as bolhas são um fenômeno humano", disse Robert Shiller, professor de economia da Universidade Yale que alertou para a atual crise. "As pessoas simplesmente ficam um pouco loucas."


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