São Paulo, segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

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ARTE & ESTILO

Coros elevam as reclamações ao nível de arte

Ko sasaki para o New York Times
Coro de reclamações ensaia em Tóquio; a litania de queixas japonesa se concentrou mais no trabalho do que os coros de outros países

Por PHYLLIS KORKKI

A vida em Tóquio, como em qualquer outro lugar do mundo, é dura e injusta. Os homens bons estão todos casados. Os colegas de trabalho cortam as unhas sobre suas mesas. A roupa volta suja da lavanderia. A sociedade é competitiva demais.
Recentemente, um grupo de cerca de cem moradores de Tóquio listou suas queixas, e o compositor Okuchi Shunsuke as transformou em canção. Depois, cerca de 80 dos queixosos (acompanhados por um acordeão, um violoncelo baixo e um tamborim) executaram a composição em vários locais da cidade, tornando-se o mais novo exemplo do que já é conhecido como “coro de reclamações”.


A catarse de cantar sobre os problemas da vida moderna

A ideia surgiu na Finlândia, onde existe uma palavra para pessoas que se queixam simultaneamente, “valituskuoro”, que significa coro de reclamações. Cerca de seis anos atrás, Oliver Kochta-Kalleinen e sua mulher, Tellervo, ambos artistas visuais que vivem em Helsinque, começaram a discutir a possibilidade de transformar esse conceito metafórico em algo literal. Em 2005, os dois organizaram seu primeiro coro de reclamões em Birmingham, Reino Unido.
O coro de Tóquio, que se apresentou no mês passado, é o oitavo com que o casal trabalhou. Mas outras pessoas formaram coros em outras cidades, e, segundo Kochta-Kalleinen, mais de 60 apresentações já ocorreram em todo o mundo. Pessoas de diversas idades e estilos de vida são incentivadas a participar. Não é necessário ter experiência de canto.
“Se você exigir um certo nível de técnica de canto vai excluir muita gente”, disse ele. “Qualquer pessoa que tenha uma reclamação deve poder participar.”
No início da apresentação do mês passado, muitos membros do coro usavam máscaras cirúrgicas, comuns em Tóquio hoje em dia por causa da gripe suína (talvez mais um motivo de reclamações). Eles começaram cantarolando a música, depois tiraram as máscaras e passaram a cantar.
Vídeos de coros de todo o mundo mostram que, enquanto algumas queixas são universais (a falta de sexo parece ser um problema em toda parte), outras são coloridas pelos detalhes de cada cultura.
Em Tóquio, as queixas sobre o trabalho foram mais comuns do que em outras cidades, disse Kochta-Kalleinen. (“Não posso me recusar a trabalhar nos feriados.” “Meu chefe joga seus erros nas minhas costas.”)
Em Helsinque, as queixas sobre celulares ocupavam o topo da lista. (“A bateria do meu celular acaba o tempo todo.” “Todos os ‘ringtones’ são irritantes.”) E, em São Petersburgo, na Rússia, as reclamações eram mais um reflexo de “profundo trauma existencial” e amor não correspondido, disse Kochta-Kalleinen. (“Por que estamos sempre insatisfeitos com alguma coisa?” “Por que continuamos amando se o amor é tão doloroso?”)
Independentemente da queixa e de onde ela é cantada, ser capaz de cantá-la ao lado de outras pessoas parece ser bastante catártico. O empresário Frank Mauceri, de Chicago, ajudou a planejar um coro de reclamações, dois anos atrás, e a fazer um documentário sobre coros de reclamações, que hoje está no circuito dos festivais.
Para Mauceri, que descreve a si mesmo como falastrão e mal-humorado, cantar sobre seus ressentimentos o faz sentir-se melhor. Os Kalleinen “pegaram um número simples e fizeram dele uma coisa transformadora”, disse.
Mas o coro de Tóquio é o último que o casal Kalleinen pretende ajudar diretamente. “Acho que já ouvimos lamúrias demais”, disse, cansado.


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