São Paulo, segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

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Drogas põem em risco hábitos tribais

Por ALEXEI BARRIONUEVO

TABATINGA, Brasil - Os índios tikuna que vivem perto desta cidade amazonense acreditaram durante muito tempo que sua comunidade fosse um portal para o sobrenatural, para imortais que os protegeriam e garantiriam sua existência.
Ultimamente, porém, eles vêm descobrindo que o lugar que habitam pode ser uma maldição.
A comunidade tikuna, Mariaçu, fica à margem do rio Solimões, a menos de cinco quilômetros da agitada cidade comercial de Tabatinga, à qual se chega por uma estrada de terra vermelha.
A região virou ímã para traficantes que percorrem as fronteiras do Brasil com a Colômbia e o Peru.
Autoridades locais dizem que alguns indígenas passaram a aceitar dinheiro para trabalhar como mulas do tráfico, aproveitando seu conhecimento dos rios e da densa floresta para transportar cocaína para o crescente mercado local. E cada vez mais jovens tikunas vêm sucumbindo ao abuso de drogas e álcool, ao qual as lideranças indígenas atribuem cerca de 30 suicídios de adolescentes nos últimos cinco anos.
Para os tikuna, porém, esses traumas representam apenas a ameaça mais recente numa luta pela sobrevivência tribal. Enfrentando alto índice de desemprego e novos desafios a sua subsistência, a comunidade está lutando para impedir que seus jovens se percam nos vícios do mundo dos brancos e que seja destruído o que ainda resta da cultura tikuna tradicional.
Como outras comunidades indígenas que vivem perto de áreas urbanas em crescimento, os tikuna sentem a tentação do consumismo e se frustram quando não têm meios de satisfazer esses desejos. Para os jovens, especialmente, o álcool, as drogas e o dinheiro das drogas parecem oferecer uma saída.
Luz Marina Mendes, irmã de Oswaldo Honorato Mendes, um chefe em Mariaçu, contou que em dois momentos no ano passado quase perdeu seu filho Donizete, 19, quando ele tentou se matar durante estupores induzidos pelas drogas. Um dia Donizete voltou para casa cambaleante e em estado de fúria, com seu braço sangrando. Outro dia, contou Luz, ela o encontrou tentando se enforcar. Ela disse que mais tarde Donizete se tornou reservista do Exército e se livrou dos vícios enquanto viveu na base militar em Tabatinga. "Virgem Maria, eu sofri tanto com ele", disse ela.
Para os líderes tribais, a situação chegou ao limite no início de outubro, quando Ildo Mariano, 18, se enforcou enquanto seus pais dormiam dentro de sua pequena casa de madeira. Seu pai, Alfredo Mariano, contou que Ildo vinha bebendo e possivelmente consumindo drogas havia meses com amigos que moravam em Tabatinga.
"Ele chegava das aulas à noite e ia estudar. Então seus amigos vinham buscá-lo e o levavam não sei para onde", disse Mariano numa tarde recente, sentado num banco de madeira enquanto sua mulher fervia pupunhas a alguns metros de distância.
Quatro dias após o suicídio de Ildo, os chefes convocaram autoridades das polícias Federal, Civil e Militar para uma reunião em Mariaçu, onde vivem cerca de 5.200 tikuna. Eles imploraram à polícia que fizesse mais para controlar os traficantes e prender as pessoas que desrespeitam a lei em suas comunidades. Os policiais ouviram educadamente, mas deixaram a reunião sem estar convencidos de que poderiam ajudar.
"Os chefes querem resolver um problema social com a polícia, e isso não está certo", disse Sergio Fontes, superintendente da Polícia Federal em Manaus, cuja jurisdição se estende a Tabatinga.
De acordo com o tenente Francisco Garcia, responsável pela cadeia local, os traficantes procuram os índios porque estes freqüentemente não compreendem que as substâncias que lhes pedem para transportar são ilegais.
Com a polícia tendo rejeitado a súplica dos índios, os tikuna, pelo menos por enquanto, serão obrigados a procurar maneiras de lidar eles mesmos com seus problemas sociais e com a onda de novas influências.
"Os tikuna estão entre dois mundos", disse Fontes, "e não sei qual deles é pior".


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