São Paulo, segunda-feira, 23 de março de 2009

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O que significam os sonhos? É uma questão de opinião

JOHN TIERNEY
ENSAIO

Suponhamos que você tenha tido dois sonhos na noite de ontem. Em um deles, um(a) amigo(a) o defende contra inimigos. No outro sonho, o mesmo amigo tenta seduzir seu(sua) amado(a). Qual dos dois sonhos você levaria a sério?
A pergunta é difícil, mas cientistas sociais agora têm algumas respostas. Podemos começar a traçar algumas distinções, graças a uma série de estudos feitos com mais de mil pessoas por dois psicólogos, Carey Morewedge, da Universidade Carnegie Mellon, e Michael Norton, da Universidade Harvard.
Os psicólogos perguntaram a estudantes universitários em três países (Índia, Coreia do Sul e EUA) quanto significado eles atribuem a sonhos. Como Freud, a maioria dos entrevistados nos três países acha que os sonhos revelam emoções inconscientes importantes.
Eles também veem os sonhos como presságios importantes, conforme foi demonstrado num estudo em que se pediu que imaginassem que estavam prestes a fazer uma viagem de avião. Se, na véspera da viagem, eles sonhassem com o avião caindo, tinham tendência maior a cancelar o voo do que se assistissem à notícia de um acidente aéreo real na rota que iam seguir. Mas, quando lhe foi pedido que recordassem seus próprios sonhos, eles atribuíram mais importância a um sonho negativo se envolvesse uma pessoa de que não gostavam e davam importância correspondentemente maior a um sonho positivo quando envolvia um amigo.
Um viés semelhante se manifestou quando se pediu às pessoas que imaginassem que tinham tido vários sonhos protagonizados por um amigo ou uma divindade. As pessoas avaliavam um sonho em que um amigo as protegia contra agressores como "mais significativo" do que um sonho em que seu parceiro romântico as traía, beijando o mesmo amigo. As pessoas que acreditavam em Deus se mostravam mais aptas que os agnósticos a se emocionarem com aparições divinas.
Mas mesmo os não-crentes demonstraram acreditar em determinados sonhos celestiais, como um em que Deus lhes mandava tirar licença de um ano do trabalho para fazer uma viagem ao redor do mundo.
No "Journal of Personality and Social Psychology", Morewedge e Norton diplomaticamente descreveram o viés interesseiro dos sonhadores como "uma abordagem motivada à interpretação dos sonhos". Quando lhe foi perguntado se esse "viés motivado" também pode afetar os pesquisadores que estudam os sonhos, Morewedge apontou para a tendência de Freud de encontrar o que procurava -o sexo- em seu "A Interpretação dos Sonhos".
"O próprio Freud sugeriu que sonhos em que se voa revelam pensamentos de desejo sexual", observou Morewedge. "O interessante é que, no mesmo texto, Freud também sugeriu que sonhos que tratam da ausência da capacidade de voar -ou seja, em que o sonhador cai- também indicam que o sonhador sucumbiu ao desejo sexual. Poderíamos interpretar esse fato como evidência de que os cientistas, quando interpretam seus sonhos, são tão norteados por seu desejo próprio quanto são os leigos."
Morewedge e Norton observam que os sonhos podem ser indicadores do estado emocional do sonhador. Os sonhos também podem se tornar profecias que se realizam, dizem os psicólogos, simplesmente porque as pessoas os levam tão a sério. Sonhos com a infidelidade conjugal podem levar a acusações e recriminações que acabam desencadeando uma infidelidade real.
"Quando amigos e amados têm sonhos perturbadores, talvez seja preciso fazer mais do que apenas dizer 'foi só um sonho'", opinou Morewedge. "E pode ser uma má ideia contar às pessoas sobre comportamentos indesejáveis que elas tiveram em seus sonhos: elas podem pensar que o sonho que você teve revela o sentimento real que você nutre por elas."


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