São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2010

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Trauma pessoal de autora lança luz sobre terrorismo

Por CHARLES McGRATH

CAMBRIDGE, Massachusetts - Jessica Stern é uma renomada especialista em terroristas e terrorismo, tendo ensinado o assunto na Universidade Harvard e servido no Conselho de Segurança Nacional dos EUA.
Seu livro de 2003, "Terror in the Name of God: Why Religious Militants Kill" (Terror em nome de Deus: por que os militantes religiosos matam), consiste principalmente em entrevistas com extremistas de todo tipo: cristãos, judeus, muçulmanos, militantes antiaborto e até seguidores de Timothy McVeigh, autor de um atentado em Oklahoma City.
"Tenho estudado os perpetradores e a violência durante toda a minha vida", ela disse.
Stern foi uma vítima. Em seu novo livro, "Denial: A Memoir of Terror" (Negação: uma memória do terror), ela conta que em 1973, aos 15 anos, ela e sua irmã mais nova foram violentadas sob a mira de uma arma em sua casa em Massachusetts.
A polícia não acreditou no relato das meninas e arquivou o caso; o pai delas não achou necessário interromper uma viagem e voltar para casa. Toda a comunidade parecia negar o fato, escreve Stern.
A experiência criou na autora uma espécie de torpor emocional -uma calma e talvez até coragem que se mostrou estranhamente útil em seu atual trabalho.
"Sou fascinada pelos motivos secretos dos homens violentos", ela escreve, "e sou boa para descobri-los".
Ela descobriu que os terroristas conversavam abertamente com ela, porque podia "entrar em um estado em que eu quase tentava me tornar aquela pessoa, e no qual eu sentia que se me permitisse o menor pensamento negativo elas provavelmente poderiam senti-lo".
"Eu entrava nessa calma -quase como se pudesse sentir uma alteração química em meu corpo", acrescentou. "Isso é provavelmente consequência do trauma, mas não quero medicalizar demais a coisa. Eu também sentia uma intensa curiosidade."
Benjamin Wittes, membro sênior do Instituto Brookings, grupo de políticas públicas sem fins lucrativos, é amigo de Stern desde o final dos anos 1990. Ele ficou surpreso ao saber que ela tinha sido violentada. "Se eu conhecesse alguém completamente disfuncional, que pudesse ver que trazia as cicatrizes dessa experiência, então talvez não me surpreendesse", ele explicou. "Mas essa não é Jessie."
Ele acrescentou que Stern foi uma das primeiras especialistas a perceber que para entender os terroristas é preciso conversar com eles. "Ela fazia as perguntas certas para as pessoas certas."
Mas um possível lado negativo de não sentir muito é que você também experimenta menos alegria, e até se torna desconectada de sua própria vida.
Foi reconhecendo esses sintomas em si mesma, disse Stern, que em 2006, quando a polícia reabriu o caso de seu estupro, ela decidiu rever toda a experiência. Soube que seu estuprador foi responsável por pelo menos 44 violações sexuais entre 1971 e 1973 e passou 18 anos na prisão antes de se enforcar.
O livro, disse ela, ensinou-lhe muito sobre as consequências da síndrome de estresse pós-traumático, da qual se considera uma vítima, e refinou seu modo de pensar sobre o terror.
Em janeiro, ela escreveu na revista "Foreign Affairs" que o abuso sexual de meninos nas escolas religiosas islâmicas não é raro, nem a violação de meninos no Afeganistão, especialmente às quintas-feiras, conhecidas como "dia de amar homens", porque em seguida as orações de sexta são usadas a absolvição de culpa.
"Sei disso há anos", disse Stern, "mas até escrever este livro não tinha feito a conexão. Não tenho certeza de como se estuda isso, mas acho que está aí. A humilhação é definitivamente um fator de risco, e essa pode ser de um tipo especial".

"Sou fascinada pelos motivos secretos dos homens violentos"
JESSICA STERN
"Denial: A Memoir of Terror"



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