|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTE & ESTILO
Projeto busca resgatar dos escombros a arte haitiana
Por KATE TAYLOR
PORTO PRÍNCIPE, Haiti - Susan Blakney, conservadora de pinturas nova-iorquina,
subiu com dificuldade uma montanha de escombros deixada pelo desabamento da
Catedral Episcopal Santíssima Trindade, em Porto Príncipe, procurando pequenas
lascas dos murais da igreja.
A catedral é uma parte importante do patrimônio cultural do Haiti, e a maioria
de seus murais foi destruída no terremoto de janeiro. Mas dois dos murais do
transepto norte da catedral, um que mostra a Última Ceia e outra mostrando o
batismo de Cristo, ficaram quase intactos.
"Parece que há alguns pedaços aqui embaixo", gritou Blakney, 62, a colegas que
trabalhavam com ela neste mês em um esforço para salvar milhares de obras de
arte danificadas nos tremores.
O trabalho de resgate das obras está sendo organizado pelo Instituto
Smithsonian, que em junho vai abrir um centro em Porto Príncipe no qual
conservadores americanos vão trabalhar com haitianos para reparar telas
rasgadas, esculturas quebradas e outras obras de arte tiradas dos escombros de
museus e igrejas.
Artistas e outros profissionais culturais haitianos têm realizado operações
informais de recuperação das obras nos últimos quatro meses. Mas os americanos
estão levando ao país conhecimento especializado em conservação -existem poucos
(ou mesmo nenhum) conservadores de arte profissionalmente formados no Haiti- e
equipamentos especiais, boa parte dos quais paga com dinheiro privado.
A iniciativa representa um novo modelo de diplomacia cultural americana, algo
que os organizadores acreditam que forma um contraste marcante com a apatia que
os EUA foram acusados de demonstrar durante o saqueio de tesouros artísticos
iraquianos em 2003.
"Erros foram cometidos no passado, em momentos de grande tragédia ou transtorno,
quando se deixou de proteger e priorizar o patrimônio cultural de um país",
disse Rachel Goslins, diretora-executiva do Comitê de Artes e Humanidades do
Presidente dos EUA, que participou dos esforços de busca de financiamento para o
projeto. "Acho que esta é uma oportunidade para dizermos que entendemos a
importância disso."
O financiamento inicial vem de três agências federais dos EUA e da Liga da
Broadway, grupo comercial que representa produtores teatrais e donos de teatros.
Funcionários do Smithsonian dizem que o projeto vai custar entre US$ 2 milhões e
US$ 3 milhões no próximo ano e meio. Depois desse prazo, a expectativa é que o
centro seja entregue ao governo haitiano.
Blakney viajou a Porto Príncipe com dois outros conservadores, um curador de
museu e um grupo de engenheiros e especialistas em planejamento do Smithsonian.
Sua tarefa era avaliar os tipos de danos sofridos pelas obras de arte. Com base
nisso, eles vão decidir que equipamentos usarão ou quais profissionais do
Smithsonian enviarão para trabalhar no centro.
Os americanos vão passar parte de seu tempo treinando haitianos a praticar a
conservação, preparando-os para quando o laboratório for entregue a eles.
A operação de resgate foi montada em grande medida graças aos esforços de Corine
Wegener, curadora do Instituto Minneapolis de Artes e major aposentada do
Exército dos EUA que serviu no Iraque pouco após o saque do Museu Nacional
Iraquiano, e de Richard Kurin, subsecretário do Instituto Smithsonian.
Wegener, que também esteve em Porto Príncipe neste mês, disse que ficou
horrorizada com o que aconteceu no Museu Nacional Iraquiano, onde atuou como
intermediária entre a equipe do museu e as autoridades americanas.
"Foi tão perturbador para mim, como profissional de museu, ver a equipe do museu
em estado de choque tão completo", disse. "Como eu me sentiria se chegasse ao
trabalho um dia e descobrisse que 15 mil objetos tinham sido saqueados?" Ela
estava determinada a não ver a história se repetir no Haiti, explicou.
Alguns dos profissionais culturais e das autoridades do Haiti com quem o grupo
se reuniu estavam ouvindo pela primeira vez sobre o centro de conservação que se
pretende montar.
A ajuda americana "é fundamental", disse Patrick Vilaire, escultor que liderou o
esforço de salvamento dos acervos de bibliotecas danificadas após o terremoto.
Alguns dos profissionais, contudo, expressaram frustração pelo fato de a ajuda
não ter chegado antes e o receio de que os especialistas estrangeiros sejam
melhores em fazer visitas e avaliações do que em fornecer ajuda concreta.
Uma reunião com Daniel Elie, chefe da agência governamental que cuida do
patrimônio nacional haitiano, ficou momentaneamente tensa quando sua colega
Monique Rocourt disse que estava farta de receber assessores visitantes que
vinham e não faziam nada.
"Se eu levar mais uma equipe de especialistas a Jacmel", disse ela, referindo-se
a uma cidade gravemente danificada no terremoto, "vamos parecer, diante da
população, como se estivéssemos apenas levando estrangeiros para olhar
desastres".
Texto Anterior: A ciência por trás de uma união feliz
Próximo Texto: Nossos manequins, nós mesmos Índice
|